O escritor Nelson de Oliveira (“Naquela época tínhamos um gato”, 1995) já se tornou um referencial de consulta, com sua habilidade em descobrir e divulgar novos talentos literários. Graças aos seus artigos sobre a literatura brasileira contemporânea, publicados na internet e em livros sobre o assunto, pude conhecer trabalhos de excelentes escritores, tais como: João Anzanello Carrascoza (Dias Raros, 2004); Marcelo Mirisola (Fátima fez os pés para mostrar na choperia, 1998), Marcelino Freire (Balé Ralé, 2003), Rosário Fusco (A.S.A. – Associação dos Solitários Anônimos) e outros.
Neste livro, “Blablablogue – Crônicas e Confissões”, Nelson de Oliveira, através de uma pequena (quase ínfima) amostragem, revela-nos a magnitude do universo da chamada “blogosfera”. Embora tenham sido, equivocadamente, a princípio, caracterizados como espaços para divulgação de um suposto egocentrismo dos internautas, os Blogues hoje se tornaram uma fonte segura, eclética e inesgotável de informação e cultura. No livro, Nelson restringiu-se apenas aos blogues da sua “praia”: a literatura. O critério utilizado para selecionar os 21 blogueiros do livro foi o mais simples possível, a afinidade e o fato de conhecer os internautas. O próprio escritor é quem diz: “Curioso isso: os desconhecidos não me interessam tanto. Eu gosto de ler o blogue de pessoas que eu conheço, que moram perto de casa ou, no caso das que moram fora, estão sempre visitando São Paulo. Todas elas são apaixonadas por literatura e a maioria já tem livros publicados.” (p.158).
Alguns dos blogueiros selecionados para o livro, já são escritores conhecidos e de talento inquestionável, como o escritor pernambucano Marcelino Freire, do blogue - http://eraodito.blogspot.com; e o escritor gaúcho Fabrício Carpinejar, cujo blogue leva o seu nome – http://fabriciocarpinejar.blogger.com.br. Mas Nelson de Oliveira, com seu olho clínico, apresenta-nos vários outros novos escritores, entre os quais, destaco:
Andréa Del Fuego: blogue – http://delfuego.zip.net
“Acredito que a inteligência ou o espírito, como quiser, se manifesta quando há uma determinada configuração. Nosso corpo tem uma configuração X, nele o cérebro recebe e envia eletricidade, a base da comunicação, esta, o veio da inteligência. O corpo configurado pode abrigar o espírito e nele instituir faculdades, pois somos uma proposta em andamento. Se o homem, na fabricação de suas máquinas, tentar imitar a configuração humana: organismo e metabolismo, corremos o risco de constituir algo capaz de abrigar um pensamento. Foi o que fizeram conosco, é uma questão de conteúdo e continente. Daqui por diante tenha cuidado ao comprar uma boneca, ela pode se chatear se ficar presa no guarda-roupa.” (in “Cabeça e membros”, p.7)
Bruna Beber: blogue – http://didimocolizemos.wordpress.com
“Velhice é procurar montanhas e achar apenas montanhas de roupa suja. É classificar um disco como “agradável para lavar roupa” no trajeto entre a área de serviço e o macarrão que tá no fogo. / É abrir a janela de manhã pros cartões postais, atrás de sol, e notar que seu único cartão postal é o supermercado pão de açúcar. E ter que ir lá porque acabou o pó de café. / Mas acho que o raio-x da velhice (e da pobreza), mermo, é comprar congelados de um amigo do trabalho pra garantir uma boquinha no domingo. E, claro, esquecê-los no trabalho na sexta-feira à noite.” (in “Dolla”, p.44)
Ademir Assunção: blogue – http://zonabranca.blog.uol.com.br
“Ella é fumante há trinta anos. Semana passada tossiu durante duas horas, onze minutos e trinta e sete segundos seguidos, sem parar. Quase bateu seu recorde anterior. Nesta sexta-feira, Dia Nacional Anti-Fumo, decidiu passar o dia inteiro sem acender um cigarro. Estava indo bem até que viu na padaria a manchete na Folha de S.Paulo: “Serra propõe banir o cigarro de SP”. Não se deu conta inteiramente do golpe até ler a linha fina: “Se o projeto enviado à Assembléia for aprovado, só será permitido fumar ao ar livre ou dentro de casa”. Ella ficou tão abalada que precisou acender um cigarro.” (in Miniconto tabagista”, p. 67)
Ana Paula Maia: blogue – http://killing-travis.blogspot.com
“Às vezes parece que estou amolecendo. Que meu coração pode ser partido em alguns pedaços. Mas não. Quando amoleço, eu choro. E quando choro meu coração se fortalece. É um músculo robusto. Não dá pra perceber porque o meu peito é profundo. É profundo como minha alma, presa às coisas fora da minha dimensão palpável. / Sou sensível por fora, frágil como uma garotinha, mas aprendi a derrubar touros. Eles são fortes por fora e instáveis por dentro. Em meio à instabilidade dos outros, encontro um equilíbrio que move minhas relações. Às vezes desabo. Então eu durmo. Durmo muitas horas. Quando acordo, as horas transcorreram, o planeta girou, pessoas nasceram, morreram, mutilaram-se, desistiram, choraram, beberam, drogaram-se, se desesperaram, concluíram e recomeçaram. Eu acordo. Tomo um banho. Como alguma coisa. Retomo minha vida e me apoio nessas instabilidades que moverão meu novo dia.” (in “Mariposas fazem sombras em mim enquanto sobrevoam a lâmpada da sala”, p. 93)
Por fim, o próprio Nelson, conclui: “Para quem não costuma visitar blogues, esta coleção de crônicas e confissões deve ser entendida apenas como um convite, um aperitivo, uma plataforma de decolagem... O universo on-line é imenso: em cada blogue haverá dezenas de links para outros blogues igualmente interessantes, formando uma trama de infinitas constelações.” (p.158)
(Editora Terracota, 2009, 159 páginas, R$25,00 na Livraria Cultura)