Não, o filme não é sobre devotees, mas envolve uma deficiente em uma história de amor e entrega tão intensa que não se pode deixar o fetiche à parte de todo o enredo.
O filme é protagonizado por Marco Rica na pele do crítico teatral Antônio Martins que tem sua vida transformada após conhecer uma mulher na mesa de um boteco. A priori, tudo parece ser muito normal, mas a mulher não possui uma das pernas e vive como musa inspiradora e prisioneira de um artista plástico de prestígio.
Sem saber da deficiência a princípio, e seduzido pelo universo da deficiente outrora, o crítico se encanta pela sexy Inês, vivida pela estreante Lílian Taulib de forma impactante. Os diálogos alternam a capacitada intelectual de cada um e o crítico logo se apaixona por Inês. Mas ela vive como inspiração do artista plástico famoso pela criação de quadros eróticos, José Torres Campana (Felipe Ehrenberg), tanto que usa seu ateliê como moradia e seu sobrenome para sobreviver artisticamente: Inês Campana.
Toda a obsessão do artista plástico por sua musa inspiradora deficiente incomoda o critico que desenvolve com Inês uma relação curta, intensa e ambígua que a leva acusá-lo de estupro.
A partir de então a estética do filme muda. Passa de triste escurecido para preto e branco. As cenas de tribunais são geniais, tanto na interpretação dos atores quanto na direção firme de Brant. A indecisão e dúvida de Inês ao acusar o estuprador são tão sinceras que mesmo presenciando o ato anteriormente ficamos em dúvida se foi consentido ou não. É tudo realmente muito delicado.
Merece destaque o ator e roteirista Marco Ricca. Com 25 anos de carreira, ele agora tenta alçar outros vôos e como confessou Brant em um debate após a exibição da pré-estréia, no dia 6 de fevereiro, no espaço Unibanco, em São Paulo, o ator foi responsável por suas falas no filme. Começa com grande estilo a carreira de roteirista. Os diálogos conferem a película a densidade necessária do confuso crítico teatral.
Não podemos ignorar o estigma de “cult” do filme. Com intervenções teatrais que completam o enredo e até um mini-monólogo de Felipe Ehrenberg perto do fim, o filme carrega todas as características não comerciais. Triste dizer, mas jamais fará sucesso comercial. É importante que existam cineastas como Beto Brant, que ousam e colocam as artes plásticas, o teatro, a literatura e a poesia em convergência com o cinema. Crime delicado é um filme pra deixar a pipoca de lado e comer com o cérebro.
É importante ressaltar a escalação dos atores nos filmes de Beto Brant. Como ele disse no debate após a exibição, não gosta de fazer testes e sim entrevistas. Essa deveria ser regra geral de todos os diretores. Acertou em cheio com Sabotage e Paulo Micklos em “O Invasor” e agora nos apresenta a beldade Lílian Taulib. A moça tem talento. Como disse um espectador presente ao debate, “sobram pernas” entre aquele sorriso e a cara de psicótica sexy que sabe fazer. Vamos ver se há espaço para uma deficiente no mundo cinematográfico.
Gênero: Drama
Duração: 87 min
Distribuidora: Lumiere
Tipo: Longa-metragem"