segunda-feira, 19 de julho de 2010

Rasif – mar que arrebenta. Marcelino Freire


Rasif – Mar que arrebenta”, Marcelino Freire. 2008. Editora Record, 131 páginas. R$27,90 na Livraria Cultura. Capa dura, com ilustrações de Manu Maltez.

Há algo de muito estranho em “Best Sellers”. Sabe aquele mistério da coisa megalomaníaca? Tanta gente lendo a mesmíssima coisa? Aqui e no mundo inteiro? Não, não entro mais nesta onda suspeita. Prefiro ser cauteloso e ficar por aqui mesmo. Minha austeridade já vê de longe as conspirações editoriais. Temos ótimos escritores daqui mesmo. Não, não me refiro ao Machado, Guimaraes, Veiga. Falo de escritores de agora, hoje, ontem, amanhã. A língua portuguesa do Brasil vive, grita, berra, com outro sotaque. Quer ser ouvida, ou melhor, lida. E, para quem ainda não conhece, eis o escritor Marcelino Freire. Novamente, não, outra vez. Já havia lido, com muito gosto, “Balé Ralé” e “Contos Negreiros”. Agora foi a vez de “Rasif – mar que arrebenta”.

No universo dos contos de Freire, não há perfume de rosas, existe é "uma arma escondida no buquê" e o sentimento é outro: “Amor é a mordida de um cachorro pitbull que levou a coxa da Laurinha e a bochecha do Felipe. Amor que não larga. Na raça.” (p.77). Já imaginou um pai levando para casa um travesti para tomar um café?, e quem nos conta a história é o júnior. O dilema de um pai que sonha em ver o filho virar um famoso jogador de futebol, mas que não tem habilidade nenhuma com a bola e, o que é pior, quer ser poeta. E por aí vai. Em “Rasif”, a violência não espanta, a homossexualidade é sem fobia, a loucura é do ponto de vista dos loucos. Marcelino Freire poderia até ser classificado como uma voz ou um estandarte das minorias, dos desfavorecidos, mas não. Na obra de Marcelino, não há hipocrisia, impera a ironia,o deboche, o sarcasmo, a dubiedade. Entendam como quiserem! – Ele diria. Mas é uma das formas que ele encontrou para nos incomodar, intimidar, ruborizar – “Ei, acordem, seus trouxas!”. A Literatura não precisa ser literatice e não é porque retrata a realidade nua e crua que é menor ou inferior. A verdadeira literatura não deve ser uma forma de fugir da realidade. E, ah!, antes que perguntem, respondo: se você gosta de ler auto-ajuda, livros evangélicos, Sabrina e Dan Brown, não irá gostar. Vai a seguir uma dose homeopática:

“O que é um sabonete perto da natureza? País de marginal!

Queremos que soltem o Grande Sol, o Cacique tá dizéndo. Ele tem direito ao que
é cheiroso. Já que tudo agora deu pra feder. Água de esgoto. Que ele trouxe no pote-curare.

Ave!

Você vem? Quem vem beber desta água? Quem tem coragem? Hein? Selvagem? De meter a língua nesta fedentina? Ele tá desafiando: a senhora aí, de blusa azul-piscina.

Saudade do cacau azul. E do jenipapo. Do jutai-açu. Ingá-chichi. Ele tá dizendo. Lacrimejando. Mas peraí. A gente não tá aqui pra chorar as pitangas. Fazer folclore, nada disso.

Porém vou contar uma história. Ele tá dizendo. Sabe o mendigo Caitetu? Não era mendigo. E nem tava nu. Veio à cidade de vocês, vestido. Maltrapilho e educado. E sabe o que fizeram com Caitetu, o coitado?

Queimaram vivo.

Ele tá dizendo, repito.

Queimaram vivo.” (p.103, in “Tupi-guarani”)


Leiam também: “Contos Negreiros” e “Balé Ralé”, já resenhados aqui.

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