“...Papai, papai, eles estão chegando, os caipiras, papai, eles estão chegando, corre, corre, papai, corre, eles estão chegando, os caipiras./ Pulavam, ao meu redor, as crianças. Comecei a rir, diante daquela cena. Pulavam em câmera lenta, como se estivessem no vácuo, na superfície da lua. Enquanto uma subia, outra descia, alternadamente, os estranhos seres da lua. Duas criaturas gordas, flutuantes, numa cratera qualquer, saldando-me alegremente.”(p. 73/74).
“Aparentemente absorvido por um zumbido composto de mil clarins, o anjo, atordoado por este acorde dissonante, sem fronteiras, ecoando entre o céu e a terra, perceptível apenas pra ouvidos refinados, divinamente abrangentes e refinados, reconhece em si parte daquela questão irrespondida, talvez “The Unanswered Question”, formulada no início dos tempos e representada por flautas, oboé e clarineta, entre outros, há alguns anos, por um compositor americano, Ives.” (p.9).
“...Ele existia, era sólido e palpável, porém, seus olhos apresentavam uma coloração terrivelmente alucinada e transparente, como se neles, mergulhado em suas pupilas quase pré-históricas, estivesse presente, muito bem aprisionado, um reflexo claro e detalhado do dilúvio universal – a catástrofe da vida, borbulhando a mais de 100° C.” (p.36/37)
Essas três passagens são apenas um aperitivo, amostra grátis do estilo de narrativa dos cinco contos que fazem parte de “Os saltitantes seres da Lua” (1997). O primeiro parágrafo faz parte do conto que dá nome ao livro, no qual nos deparamos com uma espécie de guerra “conceitual”, choque de culturas levadas ao extremo, talvez o único tipo de guerra que poderia haver num povo antibelicista e pacífico por natureza como o brasileiro. O segundo parágrafo pertence ao conto “Nowhere man” e o terceiro ao conto “Naquela época tínhamos um gato”. O escritor Nelson de Oliveira é um pesquisador de estilos, garimpeiro de bons escritores e já escreveu e organizou livros de sucesso no meio literário como “Geração 90: manuscritos de computador”, “Geração 90: os transgressores”, “O século oculto” e outros. Tudo isso lhe deu um estilo diversificado e único que torna sua escrita leve, objetiva, direta, simples e acessível a qualquer leitor. Os contos de Nelson de Oliveira não cansam nem enjoam, são de uma digestibilidade impressionante. Em “Os saltitantes seres da Lua”, como bem diz numa das orelhas do livro, o autor “faz uma viagem em que percorre a infância e a maturidade, em seus desafios éticos, morais, suas perdas e crises, desespero e transformação”. O estilo “fantástico”, ou do “realismo mágico”, como alguns preferem, está presente nos contos de forma discreta em alguns e, em outros, nem tanto, mas imprescindível para a percepção da trama pelo leitor. A meu ver, o realismo mágico é que dá “cor” e “sabor” aos contos e, admito, sou fã incondicional do estilo e do escritor, claro.
Os saltitantes seres da Lua. Nelson de Oliveira. Editora Relume Dumará. 1997. 86 páginas. R$25,90 na Livraria Cultura.