segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Pequeno gafanhoto biografado. Valdemir Klamt


Livro de um autor brilhante, dono de um talento incomum, que, para começar, sofre “de constantes intoxicações de palavras./ Pimenta, pitanga e prego são as mais vene
nosas”(p.30) e que, discretamente, “Implor(a) não ser.” (p.31). Brincar de deus é bom e divertido (e eu gosto - do brinquedo e do resultado!). Quem escreve ou apenas aprecia a boa literatura sabe do que falo. Criar personagens, histórias, enredos, ser o “Senhor” da vida e da morte das próprias criaturas é algo fascinante e vem seduzindo muita gente há séculos. Só experimentando mesmo um pouco desse entorpecente ato de escrever para saber exatamente do que digo. Claro que não basta dominar o idioma, é preciso mais, muito mais. A literatura não se resume à sintaxe, à semântica, decoreba de dicionário. Há até que se deixar levar (quase sempre) pela própria obra (vide a teoria do “Inconsciente do Texto” – contestável, sei, mas!). E, em “Pequeno gafanhoto biografado”, Valdemir Klamt põe em prática sua experiência, sua formação pessoal e acadêmica, numa aventura (odisséia, talvez) impar, inédita, levando o leitor a vivenciar o que parece ser inimaginável. Em seus versos de “quase-prosa”, Valdemir Klamt seduz, hipnotiza e reduz o leitor, para que possamos ver o mundo sob outro prisma. Valdemir Klamt é um sobrevivente (mais um, ainda bem!) da castradora teoria daqueles que se sujeitam à formação acadêmica. E ainda há quem pense que a formação em Letras é necessária ao ofício de escrever. Ledo engano!


“Pequeno gafanhoto biografado”, de Valdemir Klamt vem com “Pretexto”, em substituição ao tradicional prefácio, justificando a obra com uma história de um ataque de uma praga de gafanhotos a destruir uma plantação de aipim. Depois o livro é dividido em três partes: “Investigações”, “Desejo de ser gafanhoto” e “Fita métrica”. O resultado é um livro meio emblemático, quase um livro de divagações (ou reflexões) filosóficas. Alcides Buss, teorizando nas orelhas, faz uma interpretação mais técnica da obra e diz: “... uma poética de indagações. Mais do que uma incursão kafkiana, esta imagem nos encaminha, pouco a pouco, par uma compreensão inusitada dos avessos da existência. As imagens, ao contrário de se perderem nos labirintos da insignificância, vão descerrando os anéis que os unem, ou os separam, nas entrelinhas da vida (e da morte).”


A poética de Valdemir Klamt, neste livro, como o próprio título da obra, traz, através do “gafanhoto”, frequentes recorrências, evitando que o leitor se perca no caminho e, ao mesmo tempo, não o deixa esquecer do tempo para reflexão:

“Nascer pequeno é diferente/ Pior é viver pequeno./ Há quem morre miúdo.”(p.15);

“Toda noite me desfaço de mim/ Ponho meu corpo num cabide./ Enxáguo a alma de gafanhoto.”(p.16);

“Eu me tornei mais gafanhoto depois/ que passei a criar sacis-pererês./ Sacis alimentam-se de incorpóreo/ e de pobres amores,” (p.19);

“Castiguem os homens para não ousarem./ Façam caber na forma quem possui gordura.”(p.29);

“Passarei férias no manicômio dos grilos./ Descobri que minha perna torta é um defeito./ Imaginem se descobrem que tenho desvio de personalidade!” (p.30);

“A coisa mais azul é um corpo em queda livre do décimo nono andar.” (p.37);

“Sou um ser inibido, retraído e calculista./ Desconheço como cheguei à serenidade,/ sequer sei a maneira como se atinge a idade/ que tenho e por quê o terror da velhice.” (p.39).


E há mais, muito mais poesia de qualidade em “Pequeno gafanhoto biografado”. Lembro que meu contato com o livro foi, primeiramente, pelo título, no catálogo da Editora Escrituras, quando o ganhei para escolher livros para resenhar para o site Leia Livro (hoje extinto). E, hoje, depois da terceira leitura, posso afirmar categoricamente que Valdemir Klamt é mais um integrante da nova poética brasileira contemporânea. Santa Catarina agora tem um representante de peso. Junta-se aos gaúchos Carpinejar e Paulo Scott, e aos cariocas (ou fluminenses) Zeh Gustavo e Gustavo Jobim (Zé Urbano).


“Valdemir Klamt nasceu em 1976 e formou-se em Letras pela UFSC. Atualmente mora em Florianópolis/SC e é pós-graduado em Teoria da Literatura pela mesma universidade.”


O livro “Pequeno gafanhoto biografado” é de 2002, editado por Escrituras, São Paulo. Tem ilustrações de Márcia Cardeal, que também produziu a capa.