terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Idade do Zero. Zeh Gustavo.


O poeta Zeh Gustavo usa e abusa do seu, seu poder criativo, não, melhor dizendo, da sua plena liberdade de criar. Em “Idade do zero”, o exercício da palavra é levado à exaustão, inovando, renovando, explorando. O resultado é uma semântica inédita, invertida, redefinida, para poder extrair do significante algo que nos revele a riqueza dos significados. A língua portuguesa nos permite isso e Zeh Gustavo descobriu um filão. A poesia está aí para quem ousar inovar, para quem tem coragem de buscar algo novo no que parece não ter mais sumo, que parece estar no bagaço. Posso até dizer que Zeh Gustavo é um novo integrante do time, da seleção de novos poetas contemporâneos. Poetas que fogem daquela tradicional monotonia do excesso de sentimentalismo auto-biográfico, daquele vão exercício de complicar o fácil, fazendo joguinho de palavras. Digo que Zeh Gustavo está ao lado dos gaúchos Paulo Scott e Fabrício Carpinejar. A nova ordem é realmente “nova”, criar algo diferente que nos dê ânimo para leitura, fazer uma poesia com características de prosa, mantendo a estética, a estruturação dos versos. Senão, um dia, não haverá leitores jovens que gostem de poesia, apenas aqueles velhos, atrelados ao passado, lendo dodecassílabos com régua digital. Para me fazer mais claro, que tal o próprio Zeh Gustavo:

“Sou mesquinho para com vírgulas./ Elas me idolatram. (...)

A morte me perpassa./ A vida me perpassa igualmente. / Transmito pulgas juntamente/ com letras./ Vai num pacote.” (In “prostituto da palavra”)

“O erro traz as palavras/ de volta ao barro/ onde se constituíram/ todas as linguagens.” (in “máquina de se escrever”)

“Desencontrei quem gostasse demais do que eu/ de improduzir./ Tenho desencanto de grandes feituras.” (in “flexões”)

“Alimento um desejo incessante/ de raciocinar objetos./ Queria fazer interesses/ só de ludismos./ Se os objetos racionalizassem/ sozinhos o mundo/ a gente viraria vagabundo(...) / Os objetos serão muito orgulhosos/ que nem os vegetais e os insetos./ Sabem que atingirão o ponto de raciocinar/ com lógica certa e curta./ E eu restarei, livrinho da silva.” (in “ cientista”)

“I

Teve um dia uma desalguém:

era engenheira.

Gente importante. Gente séria, sisuda de si.

Meio gostosona, moço.

Teve aqui para conserto dos pés.

Seus pés não eram. Pisavam.

Pisavam forte.


II

Teve noutro uma alguém:

era ninguém.

Gente desimportante. Caminhadora.

Bonitona a moça. Meio conforme dizem sem-sal.

Mas bonitona.

Seus pés eram bolhas calos cutículas sangue.

Suas mãos eram sangue.

Ela era sangue e olhos,

Muitos olhos, olhares,

Olhavam forte.

Teve aqui para desconserto de mim.” (in "sapateiro")


Quem prefacia o livro de Zeh Gustavo é Mário Chamie, que esmiúça a poética inovadora de “Idade do zero”: “Um poeta, pois, que, ao entrar em cena, já desenha, à margem de quaisquer mesmices epigonais, o seu ‘desespaço’. Isto é: a ‘casa’ de sua palavra, onde procura reabrigar a linguagem da poesia presidida pelo seu próprio eu: ‘Tenho um grave projeto/ Que é o de construir/ Silêncios./ (...) Sou pedreiro de pratos-feitos./ (...) Não tenho casa mas pretendo voltar a morar lá (in ‘minha casa’).”

Zeh Gustavo é heterônimo do escritor e revisor Gustavo Dumas – autor de “Mito da origem do futebol” (Cone Sul, 1997), “O povo e o populacro” (Cone Sul, 1998) e “Solturas, balões e bolinhas de papel” (Damadá, 2001). Zeh Gustavo é natural do Estado do Rio de Janeiro, também compositor e poeta.

Este livro foi gentilmente cedido pela Editora Escrituras, através do extinto site Leia Livros do Governo do Estado de São Paulo, para resenha (2005).