Ao ler “Senhor Escuridão”, precisamos de todo o tempo do mundo, pois, ao acharmos que entendemos e estamos no caminho, é exatamente quando nos damos conta de que fomos enganados e precisamos voltar e começar tudo de novo. Mas não pense que é perda de tempo. Nem adianta tentar se socorrer com os títulos dos textos, confundem-nos ainda mais. É um jogo traiçoeiro e divertido de memória, que vicia como anfetamina. E o leitor pode tranquilamente se perguntar se a droga não está misturada no branco das páginas, nas dobras das orelhas, ou escondida sob o relevo do monstro da capa.
Para não dizerem que exagero, quem nos apresenta a obra é Paulo Bentancur, numa das orelhas, intitulando “Leia a bula”. Pois “Senhor Escuridão” é isso e muito mais, precisa de bula, ou até um manual de instruções. É preciso ver para crer, digo, “ler” para crer. Sei que, apenas contando, ninguém acredita. Como bem disse o escritor Carpinejar, em “A timidez do monstro”, “Paulo Scott é um possuído”. Quando o leitor acaba de ler o livro, tem vontade de ler de novo, ou então correr para a livraria e ver se o Paulo Scott não lançou outro, ou uma continuação, ou até ver se já não tem algum discípulo ou seguidor que tenha lançado algum fanzine.
“Senhor Escuridão”, particularmente, segue a mesma linha caótica e labiríntica, de “Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros” (2001) e de “A timidez do monstro” (2006). E eis apenas algumas passagens, para quem ainda teima e duvida:
“encaixa a boneca entre as pernas,
faz uma conchinha com as mãos
(a saliva escorre do canto da boca),
pede que eu não conte a seu pai,
com o garfo, enfio em sua boquinha
outro pedaço de carne crua” (in “Amador”)
“... não há espelho nesse túmulo,
ela tira o alfinete da blusa, limpa com saliva,
chama-o para perto (será uma nova brincadeira),
entrega-lhe o alfinete, arregala bem os olhos,
diz que chegou a hora de furar os balões” (in “Cadeados”)
"acordo com a lâmina da pá gravitando
horizonte ferruginoso direto no meu olho,
‘viu?...’, ela me diz (atira a pá longe),
sai porta afora, corre até a beira da praia;
encontro-a de joelhos, com os dedos mínimo
e indicador enterrados na areia,
aproximo-me, suas canelas estão quebradas,
e ela diz (com a boca cheia de areia):
e ela diz (com a boca cheia de areia):
‘eu sei que você ainda me conhece muito bem’ (in “Água Parada”)
E, para encerrar, como bem disse Paulo Bentancur na contra-capa: “Abra este livro, se for capaz. E, principalmente, feche-o, se também for capaz.”
Paulo Scott nasceu em Porto Alegre. Publicou cinco livros, entre os quais, além dos mencionados: "Ainda Orangotangos" (Contos-2003) e "Voláteis" (Romance - 2005).
Paulo Scott nasceu em Porto Alegre. Publicou cinco livros, entre os quais, além dos mencionados: "Ainda Orangotangos" (Contos-2003) e "Voláteis" (Romance - 2005).
Nenhum comentário:
Postar um comentário