terça-feira, 17 de novembro de 2009

Senhor Escuridão. Paulo Scott


“Senhor Escuridão”, de Paulo Scott, não tem este título à toa. É para amedrontar mesmo, causar insegurança, pânico, antes e, principalmente, durante a leitura. Para ser leitor de Paulo Scott, saber ler e compreender é insuficiente. Para ler “Senhor Escuridão”, então, é preciso munir-se de amuletos, mapas e até de um bom rolo de barbante para não se perder nessa escrita labiríntica, que, até agora, é inclassificável.

Ao ler “Senhor Escuridão”, precisamos de todo o tempo do mundo, pois, ao acharmos que entendemos e estamos no caminho, é exatamente quando nos damos conta de que fomos enganados e precisamos voltar e começar tudo de novo. Mas não pense que é perda de tempo. Nem adianta tentar se socorrer com os títulos dos textos, confundem-nos ainda mais. É um jogo traiçoeiro e divertido de memória, que vicia como anfetamina. E o leitor pode tranquilamente se perguntar se a droga não está misturada no branco das páginas, nas dobras das orelhas, ou escondida sob o relevo do monstro da capa.

Para não dizerem que exagero, quem nos apresenta a obra é Paulo Bentancur, numa das orelhas, intitulando “Leia a bula”. Pois “Senhor Escuridão” é isso e muito mais, precisa de bula, ou até um manual de instruções. É preciso ver para crer, digo, “ler” para crer. Sei que, apenas contando, ninguém acredita. Como bem disse o escritor Carpinejar, em “A timidez do monstro”, “Paulo Scott é um possuído”. Quando o leitor acaba de ler o livro, tem vontade de ler de novo, ou então correr para a livraria e ver se o Paulo Scott não lançou outro, ou uma continuação, ou até ver se já não tem algum discípulo ou seguidor que tenha lançado algum fanzine.

“Senhor Escuridão”, particularmente, segue a mesma linha caótica e labiríntica, de “Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros” (2001) e de “A timidez do monstro” (2006). E eis apenas algumas passagens, para quem ainda teima e duvida:

“encaixa a boneca entre as pernas,
faz uma conchinha com as mãos
(a saliva escorre do canto da boca),
pede que eu não conte a seu pai,
com o garfo, enfio em sua boquinha
outro pedaço de carne crua” (in “Amador”)

“... não há espelho nesse túmulo,
ela tira o alfinete da blusa, limpa com saliva,
chama-o para perto (será uma nova brincadeira),
entrega-lhe o alfinete, arregala bem os olhos,
diz que chegou a hora de furar os balões” (in “Cadeados”)


"acordo com a lâmina da pá gravitando
horizonte ferruginoso direto no meu olho,
‘viu?...’, ela me diz (atira a pá longe),
sai porta afora, corre até a beira da praia;
encontro-a de joelhos, com os dedos mínimo
e indicador enterrados na areia,
aproximo-me, suas canelas estão quebradas,
e ela diz (com a boca cheia de areia):
‘eu sei que você ainda me conhece muito bem’ (in “Água Parada”)

E, para encerrar, como bem disse Paulo Bentancur na contra-capa: “Abra este livro, se for capaz. E, principalmente, feche-o, se também for capaz.”

Paulo Scott nasceu em Porto Alegre. Publicou cinco livros, entre os quais, além dos mencionados: "Ainda Orangotangos" (Contos-2003) e "Voláteis" (Romance - 2005).

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