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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Céu de Lúcifer. Ronaldo Bressane

Livro contundente, prova de que não há limites para a boa literatura brasileira. É preciso competência, muito mais que coragem para se escrever como Bressane. Eis um dos principais motivos da minha preferência pelo contemporâneo. 

Há quem procure segurança na leitura de um livro, recheado de mesmice, subdivida ora em narração, descrição, dissertação, prosa, poesia, idioma, sintaxe, pontuação, desde que não se misture nada, muito menos se inverta algo. E o medo? Aahh! Isso não existe no universo maravilhoso, caótico e sufocante de Ronaldo Bressane. 

"Céu de Lúcifer" foi chamado sucintamente de "A cultura do tudo", pelo escritor Sérgio Sant'Anna, pois Bressane usa e abusa da cultura geral, do conhecimento humano contemporâneo, sempre com atmosferas esdrúxulas, dinâmicas, assustadoras ou desafiadoras. "Céu de Lúcifer" não é para o leitor comum, muito menos para o principiante, pois exige e muito. Uma satisfação para o ego de quem sabe, um estímulo para quem quer  mais conhecimento. Para os mais precavidos, um dicionário e uma enciclopédia ao lado, durante a leitura, irá ajudar e muito. Duvidam? Então eis a apresentação da obra pelo renomado escritor Sérgio Sant'Anna, nas orelhas do livro.

" A Cultura do Tudo
Céu de Lúcifer é o ultimo produto de uma trilogia [os outros são os provocadores “10 presídios de bolso” e “Infernos possíveis”], bafizada pelo autor de “A outra comédia”, numa referência nada grave à Divina Comédia, de Dante Alighieri. E ao cruzar os portais deste inferno paradisíaco, o leitor acomodado deve abandonar toda a esperança de ler um livro convencional de histórias. A prosa de Bressane, um dos mais talentosos e originais autores entre os que tem lançado as sementes de uma nova iconoclastia na cena da literatura brasileira mais recente, é uma prosa feita de estilhaços de linguagem, ritmos alucinatórios, constelações vocabulares e ficcionais.

Assim, não é à toa que o volume abre com “Jornal do caos”, em que um jornalista, saturado de informações, faz greve de uma semana, fechando-se a toda notícia da mídia para escrever um diário caótico, povoado de sexo e fantasias, encontros aleatórios, flashes literários, infotraficantes, terror e ecstasy.

Escrevendo sobre o agora, também é natural que Bressane vá buscar na catástrofe de 11 de setembro de 2001, no conto “WTCNY” outro motivo ficcional, em que uma brasileira motorista de táxi em Nota York, acaba por catar, para montá-los, os pedaços de seu amante poeta marroquino [poemas tatuados no corpo] soterrado nas escombros do World Trade Center.
O livro de Bressane viaja e muito, e é em Jacutinga [MG] em “Quando eu morrer”, que se dá a tragédia do locutor de rádio esfaqueado pela mulher adúltera num conto em que são evocados dois Rosas, Noel e Guimarães, este marotamente: “Viver, onde se encontra?” Fora as pérolas do sussurrante locutor Hermínio, João Gilberto do Dial: “toda mulher tem direito a uma maçã do amor envenenada”.  Muitas vezes bilingüe, Ronaldo e também capaz de criar a fala livre, recheada de invenções, de um camelô da praça da Sé, São Paulo,  em “O mundo é um moinho”. Mas talvez esteja em “Psicotrópico” um dos exemplos mais radicais da mixagem de Bressane para capturar o cruzamento estético e de comportamento do mundo contemporâneo.
Nessa narrativa, um repórter vai cobrir um extravagante dos festivais de música eletrônica e sons afins, reunindo, à beira da floresta amazônica, uma fauna variada, desde índios ticuna aos mais carimbados DJs e artistas de uma eclética música popular de invenção. E no meio de citações, pelo autor, de Villa Lobos e Fernando Pessoa, Picasso e Miró, a cultura do tudo que vai ter sua apoteose num “drumba de frequências subsônicas”... “o verdadeiro rock‘n roll em seu simulacro sintético”.
Há muitas coisas mais neste “Céu de Lúcifer”, inclusive a mini-epopéia, em sete peças marcadas por uma sintaxe e pontuação reinventadas do subherói Butthole Kongo, o macaco albino. Porém o espaço do apresentador é curto e ele tem partir logo para a definiçâo: “Céu de Lúcifer” percorre, apaixonadamente, trilhas de risco da nova literatura brasileira.
Sérgio Sant’Anna"(negritei)

Ronaldo Bressane


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Inverdades. André Sant’Anna

Numa mistura esdrúxula de rebeldia, soberba, muito mais que arrogância, sarcasmo, com doses intencionais e exageradas de insanidade, André Sant’Anna (filho do grande escritor Sérgio Sant’Anna) se socorre de personalidades mundialmente famosas (embora o autor queira dar a entender que algumas não o sejam, ou que não mereçam a fama), para dar mais cor à realidade, em situações hilárias, grotescas e que  chegam a beirar o preconceito. O escritor domina, como poucos, o idioma (não me deparei com “erros” de português), embora não  tenha concordado  com alguns tangencionamentos que certos contos tomaram. Mas... quem sou eu?

Haverá, claro, quem saiba distinguir a realidade da ficção, mas, muito provavelmente, apesar da advertência nas páginas iniciais, algumas pessoas acreditarão piamente na fantasia delirante dos contos do autor. Pois, para quem ainda não sabe, utilizar dados estatísticos (observe as pesquisas eleitorais) e ou personagens reais (não fictícios) dão mais credibilidade ao maior dos absurdos. E, como o próprio título do livro, os contos de “Inverdades” são mesmo fictícios, embora os personagens possam existir ou ter existido, o autor, temendo (o que não o isenta de absolutamente nada) um processo por danos morais, faz questão de dizer: “qualquer semelhança com fatos reais, neste livro, é mera coincidência. As pessoas citadas não existem e nunca existiram. Eu também não existo.” Mais claro, impossível.

Apesar de tudo, há, em “Inverdades”, momentos geniais como uma Marilyn Monroe, aos 75 anos, atriz, escritora e milionária, em “A mulher mais doidona e inteligente do planeta”; uma viagem aos últimos momentos do grande Jimmy Hendrix, em “Você já experimentou”, no qual o leitor torce por um final feliz; ou um encontro mágico entre Duke Ellington e Miles Davis, em “Bitches Brew”. Em outros, dessa vez mais genioso, André trata de momentos, no mínimo, esquecíveis dos Beatles (se acaso tenham acontecido), fumando (aquilo mesmo) num banheiro do palácio da Rainha da Inglaterra; ou de um provável instante em que Roberto e Erasmo Carlos deixam de ser pessoas normais e despertam, passando a compor “canções de amor”. Tornando uma obviedade a preferência musical, no mínimo requintada, do autor, ao trazer para o livro Charlie Parker, Duke Ellington e Miles Davis.

E, como toda pessoa que gosta de carregar no humor, até sem perceber acaba por exagerar e descambar para o preconceito, supostamente inconsciente ou, por que não?, por desinformação condenável e injustificada, mesmo que admita ser uma “inverdade”. E André, muito provavelmente, movido pela empolgação, dando indícios claros da sua origem social e sua limitada visão política, se deixar levar por crises de “diogomainardismo”, dedicando dois contos ao Lula (aquele que “o Mundo” todo já conhece). E, como ele mesmo diz: “é mera coincidência... eu também não existo”.

Para a sorte do André Sant’Anna, tudo indica que o Roberto Carlos ainda não leu o livro, pois há risco de se sentir ofendido e ajuizar uma Ação para a retirada de circulação dos livros, como o cantor já fez em outra oportunidade. Acredito até que, dependendo do sucesso deste seu “Inverdades”, não seria surpresa o André Sant’Anna lançar o livro “Inverdades 2 – A missão”, quem sabe com umas 400 e poucas páginas, com contos envolvendo “Dilma Roussef”, “Marina Silva”, homossexuais, negros,  a masculinidade dos gaúchos e, claro, nordestinos. Temas muito comuns em piadas. Fica a sugestão (se não perceberem, estou sendo irônico). Quem sabe para 2017 ou 2018? Mas, como a sociedade brasileira se formou miscigenada (para ódio de muitos) e ela é o que é mais por condescendência e tolerância que por convicção, muitos ainda ocultam seu veio preconceituoso (para não dizer racista) através da irreverência (mais aceita e “bem humorada”). Mas ainda tem um porém, como dizia Nelson Rodrigues: “toda a unanimidade é burra”. Leiam e tirem suas próprias conclusões!

Sobre o livro, ainda:

André Sant’Anna, desse modo, nos oferece um livro curto e ágil, repleto de humor e o cinismo típico da literatura contemporânea. Talvez levando a exploração desse cinismo além, talvez o empacando numa abordagem individualista. Ele pode estar sendo irreverente, mas buscando pôr em termos claros e simples o complexo e difícil, sem desprezar nenhum desses lados, planificando-os para que sejam adensados pelo leitor. Ou tal planificação pode ser lida como uma mera banalização, representando o elo mais pueril que se tem com a realidade e seu significado, desprovendo assim a leitura de um nível mais profundo, supostamente almejado pelo escritor e supostamente almejado por nós em relação à realidade. Aí residiria sua moral, não apenas cínica, mas também complacente. Porém, isso quem decidirá será o leitor, ao final do livro, quando chegar a seu “Fim”.

Mais ainda sobre o mesmo livro:

“Incorporando os chavões, a própria literatura se amesquinha, o que se vê também no modo algo desdenhoso e reiterativo com que o narrador manipula a linguagem — um pouco como uma criança entediada com seus soldadinhos. Uma literatura que não se oferece como espaço de redenção e enriquecimento do leitor, pois é feita dos detritos de uma cultura arruinada.” Fonte: O Globo.


“Saiu o Inverdades, do André Sant’Anna, o gênio da burrice. Mestre em pegar assuntos complexos e ir reduzindo à migalha, André tricota personagens até se transformarem em estereótipos, estereótipos se tornarem signos, signos virarem meros ritmos. Binária, sua literatura quebra comportamentos requintados com equações de primeiro grau, provando que, apesar de toda nossa empáfia, ainda somos uns símios.”

Editora 7 Letras, 2009, 66 páginas.