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domingo, 18 de abril de 2010

Bento Gonçalves - O herói ladrão. Tau Golin


“Quer fazer bem? Então, faça você mesmo!” – Ou algo assim, com sutis variações. O jargão serve também para leitura: ler criticamente e tirar suas próprias conclusões. É quase uma obrigação do “bom leitor”. É por isso que muitos consideram certos “tipos” de livros como sub-literários, pois sequer permitem ao leitor fazer crítica, quanto mais tirar conclusões: entenda-se “auto-ajuda”, “esoterismo”, “psicografia”. Todos já deviam saber que a história que nos é passada de gerações, em 99% dos casos, contém a versão do vencedor. Unilateral e sempre entendida como “verdadeira”. Foi assim com os milhares de filmes que abordaram a II Grande Guerra, e não seria diferente aqui no Brasil, nos poucos e raros eventos bélicos que tivemos. Tanta passividade tem seu ônus, não adianta arranjar desculpas. A estratégia sempre foi suprimir radicalmente com opositores, revoltosos e simpatizantes. A tão heróica e brava “revolução” farroupilha não foi diferente. Por detrás da famosa “questão do charque”, muito provavelmente, havia interesses muito mais sérios em jogo: a escravatura, a preservação da oligarquia, a expansão do latifúndio e outros. A independência, propriamente, do Rio Grande do Sul (com a interessante e  muito bem-vinda anexação de Santa Catarina) talvez tenha sido o interesse de menor importância. Mas não pretendo pisar em terreno minado, deixo o assunto para quem entende, ou deveria entender, melhor que nós leitores: os historiadores. A mim, humilde leitor, cabe a responsabilidade de ler, com senso crítico, e tirar, como já disse, minhas próprias conclusões. Aqui não faço apologia a nada, apenas divulgo boas e interessantes leituras. Mas sei que há gente que é adepta de “cortar o mal pela raiz”. Fazer o quê?

“Bento Gonçalves – O herói ladrão”, foi escrito em 1983, pelo então estudante Tau Golin. Um livro polêmico até hoje. Edição esgotada. Os exemplares que não foram “queimados em praça pública” (vide “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury) ou usados para acender fogões à lenha, ainda podem ser encontrados em sebos espalhados pelas maiores cidades do Rio Grande do Sul. O escritor hoje  é Doutor em História e professor da Universidade de Passo Fundo, continua sendo “persona non grata” pelos tradicionalistas gaúchos. O autor publicou também “A ideologia do gauchismo” e hoje milita (não tão solitário) numa verdadeira cruzada contra o Tradicionalismo Gaúcho.

Como gaúcho, não pretendo entrar no mérito ideológico da obra de Tau Golin, mas vai aí uma pequena palhinha do livro:

“Nesse pequeno trabalho não pretendemos renegar o herói Bento Gonçalves, simplesmente, a partir de critérios morais, embora estes sejam relevantes e tenham motivado, de início, essa exposição. Ao contrário, consideramos fundamental, não desprezando os dados por esse ângulo, situá-lo na sua classe, entre os seus iguais, latifundiários que por seus interesses e atitudes eram absolutamente diferentes aos da massa popular, e cujas riquezas eram constituídas não apenas pelo processo ímpar da conquista do território, da escravidão humana, da exploração do trabalho alheio, mas paralelamente do contrabando, do saque indiscriminado e do roubo.

Essas reflexões poucos alvissareiras, é verdade, trazem um golpe forte no purificado mito gonçalveano. Entretanto, sua força manifesta-se através da natureza dos documentos, que até hoje sempre existiram em local de relativo e fácil acesso para os historiadores*. Não foram inventados e, igualmente, essa publicação também não é o resultado de um mirabolante e criativo plano para agredir gratuitamente o mais importante herói rio-grandense. Particularmente, gostaríamos que houvessem frutificado em nossa terra muitos heróis, cujo patamar de luta pudesse ser identificado pelo seu conteúdo popular. Todavia, os históricos ventos do Rio Grande ainda não puderam correr pelos campos e cidades com tal notícia...

Objetivamente, precisamos afrontar a necessidade que todo trabalho situe-se no senso comum, melhor maneira de alterar a visão dominante da elite sobre a história do Rio Grande do Sul. A supremacia da visão dominante e positiva sobre o processo social rio-grandense impera absoluta, articulando-se na massa popular como se fosse a sua verdadeira história. Existe uma tarefa urgente: a de reconstituir a história, para que o povo possa enxergar-se corretamente na sua trajetóra social, desde o passado, e encaminhe as transformações futuras. Assim, os pesquisadores não encontrarão mais tão facilmente (ou atribuirão com tanta liberdade ao povo) versos do cancioneiro popular, como esse:
“Bento Gonçalves da Silva
Da liberdade é o guia.
E herói. porque detesta
A infame tirania’’.

(in “ARREMATE DESSA HISTÓRIA POUCO ALVISSAREIRA”, p. 47/48)

Mais sobre o autor acesse:

segunda-feira, 22 de março de 2010

Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros. Elrodris


“Por isso, batam palmas, estranhos, batam palmas, aqui está a estória de mais um criador de monstros, um padrasto como outro qualquer, o Senhor Volátil em pessoa.” (p.85, em “As estátuas planas de Paul Sem Nomes). Sim, Elrodris nesta passagem, inconscientemente (ou não), já faz sua auto-definição: “um criador de monstros”. Elrodris, mais tarde assumiria, então muito corajosamente, seu próprio nome: Paulo Scott. Este especialista em criar monstros cria também atmosferas tétricas, sombrias, para que seus monstros possam viver em paz, mas com seus sofrimentos apenas atenuados. Apesar de longo, o título ajuda o leitor desavisado a entender, um pouquinho que seja, esta obra que para mim é emblemática. Para um primeiro livro, Elrodris (ou Paulo Scott) já antecipava parte da sua contundente proposta social: “domesticar as paixões” (dos anjos também); “atenuar os sofrimentos” (dos monstros também); e, claro, “alucinar e embasbacar” os leitores.

Histórias Curtas é de 2001 e, para o ano que iniciou um novo milênio, por que não publicar um livro impactante, com temática inédita, estilística e estruturalmente controvertido, nem prosa nem poesia, ou um misto de tudo e um pouco mais? Os teóricos literários (urgh!) que quebrem cabeça para “viajar na maionese” e enquadrarem um livro como este em algum estilo preestabelecido nos seus velhos manuais pedagógicos (puff!). Mas os livros são feitos para serem lidos, para a grande (ou nem tanto) massa de leitores, não para críticos literários ou para servirem de pesadelo aos vestibulandos. Este livro de “Histórias Curtas” já começa inovando pela apresentação dos textos, associados com arte. São produções de vários artistas, produzidas em litografia, computação gráfica, nanquim (p.87), que, se não enriquecem mais os textos, os tornam mais agressivos. Uma das propostas de Elrodris, nestas suas histórias curtas, talvez (particularmente falando) tenha sido a de mostrar ao público leitor uma (ou algumas) das possibilidades de escrita que a grande literatura se permite. Exemplo de que o escritor, o bom escritor, pode não só inovar em temática, mas em estilo, em estrutura, em apresentação ou o que mais ele bem quiser. Afinal, como todo o escritor, Elrodris “brinca” de Deus e até O ironiza com estilo: “...Deus deixa os sábios se anotarem, uns nas costas dos outros, pois temem o erro de uma vida em vão. / Deus é esperto, é gerente, aprende com os medos desses seus brinquedos.” (p.21, in “O jogo dos ignorantes”).

Eis, então, um pouquinho de “Histórias Curtas”:

“Vou procurar teus dedos cortados na minha caixa de curativos, estavam junto do veludo vermelho que forrava teu vestido. Eu sei que quando encontrá-los continuarei sem você.

Ando com os bolsos vazios, com medo de ser uma daquelas pessoas que te esqueceram, com medo de abandonar meu laboratório portátil e a programação das vinte e uma.

Ando com pessoas que mentem e prometem na vida se perder. Há, em todos, uma frieza adolescente, um desalento calculado do qual estou cansado.

Porém, no fim, quando de tudo isso desacomunado, talvez, possa esperar sozinho o amor que foi desprezado, sem mais dos teus dedos me perder.” (p.14, in “Lambendo a saudade em selos de estricnina”);

“Do outro lado da porta, uma brincadeirinha devassa caçoa de mim, enquanto promete que vai me amansar. Ai que medo! É o Seu Escuridão que me espera nas frestas e cantos para me beijar.

- Seu Escuridão, seu escuridão, no teu ventre, juro, vou desmaiar. Você me quer? Você me segura?

Não há respostas. Apenas um silêncio ardiloso que, eu sei, anda em voltas, medindo-me, quase me ganhando no seu emaranhar. Tentando romper as trancas, atado à impaciência do vento noturno como um parasita que se disfarça sem horários. Seu Escuridão cavalga sem rosto nos meus calafrios. Seu Escuridão espera, já sabe que me devora, e eu gosto. Ai que medo!” (p.33, in “Ai que medo!”).

Enfim, admito: sou fã incondicional de Paulo Scott. Sua bibliografia não é extensa, mas bem que poderia, para o nosso deleite. Este “Histórias Curtas” é de 2001, depois foi “Ainda Orangotangos” (2003 – contos); “Voláteis” (2005 – romance); em seguida “A timidez do monstro” e “Senhor Escuridão” (poesia -?), ambos de 2006. E tenham uma boa viagem durante a leitura, Senhores!