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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Um Terno de Pássaros ao Sul. Fabrício Carpinejar


"UMA CARTA AO PAMPA.

Um Terno de Pássaros ao Sul de Fabrício Carpinejar é uma nova “Carta ao Pai” escrita em versos.

Terminei de ler Um Terno de Pássaros ao Sul (96 pág, R$15), lançamento da Editora Escrituras.

Bueno, a poesia do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar é uma prova de que Simônides, o lírico e pensador grego, tinha razão ao anunciar que a poesia (a boa pelo menos) é uma pintura falante, ao passo em que a pintura (também a boa) é uma poesia muda. O que dizer? Subjetivamente, que gostei de verdade.

Objetivamente, e buscando a razão do gosto, que o "arremesso do balde ao poço" da lembrança e do passado é dos mais convincentes. As imagens vigorosas (assim como "A coxilha é o céu trocando de traje") e incontáveis que Carpinejar metafora (do verbo metaforar), em sucessões por vezes alucinantes (e surrealisticamente cheias de poesia como "Os caminhos tropeçam no cadarço das estrelas" ou "Os peixes parados nas algemas das algas"), deram muito de estofo ao meu julgamento positivo. Eu avançava nos versos, cada vez mais certo de que o autor cumprira a missão. E isso não é, de longe, pouco.

Os jogos de palavras cheios de significado e colocados em oposição como o "amor-tecidos" do início e o "amor-talhados" do final (ou os versos “Confundia-se a força da estrada/ com o estrado da forca.”) não deixaram por menos. Ora, isso não são meras brincadeiras de ajuntador de palavras. São achados poéticos de valor, que só caem e adquirem forma sob o machado de um poeta mergulhado na lembrança que tem, ademais, o domínio no manejo da lâmina e seu peso. Já bastaria, de longe...

Mas tem mais. Vale ouro o tom confessional desta nova "Carta ao pai" (Franz Kafka) escrita em versos, deste acerto de contas, pedido de desculpas e disposição à luta. Sim, porque toda a história de Fabrício Carpinejar e a de seu pai, Carlos Nejar, jorra voluptuosa na feição do verso, em imagens que desenham a infância do autor, os encontros e desencontros com o pai, a vida em família, a despedida e a separação, que se ameaça eterna de repente no veredicto de um médico enganado. Tudo pleno de amor, pintalgado de dor, lavrado em poesia.

As injustiças das quais Nejar, o pai, foi vítima, são pintadas em verso. Tanto a injustiça do filho – segundo é contado e eu não conhecia: “Nasci vingativo,/ negando/ o que deveria perdoar,/ omitindo/ o que deveria mencionar,/ exagerando para soar falso/ o que de verdade sinto.” – quanto a do mundo, que eu conheço muito bem, vive no silêncio tácito que de repente se estabeleceu a respeito de Nejar na província sulina e se reflete nos versos "Quem te conhece pela fama/ não te conhece ainda" são versejadas com pujança. A injustiça do filho se redime numa confissão solene: “ao escapar de tua figura/ me tornei igual.” e se esfuma de vez numa constatação factual: “O destino nos assemelha/ mais do que o nascimento.” A da província amenou, mas continua. Seguindo os melhores manuais não escritos de poesia, o poema de Carpinejar mostra a História toda, correndo vigorosa, borbulhante e semi-oculta no subsolo da Lírica. E isso não é pra qualquer silvestrim...

Sim, Um Terno de Pássaros ao Sul (o terno – também semivelado – é formado pelo pai, pelo filho e pela mãe citada de soslaio, todos poetas) é uma carta ao pai em versos; mas é também uma carta ao pampa, que aparece vetusto em retratos de farinha e carne seca. E que dizer do pedido pela volta, que vira clamor no andar do poema e termina com a síntese justa e invertida da frase, que ademais é poética até o fim do mundo? Depois de tanto "Volta ao pampa, pai" o arremesso sábio, a divisão da culpa na sentença "Volta ao pai, pampa." é é final de verdade, clímax, ápice e píncaro, fecho de ouro.

Porque na realidade não foi apenas o pai que deixou o pampa, mas também o pampa que deixou o pai. (Aliás, não sei o que acontece, mas Nejar não é a única vítima do estranho processo. De cara e assim no mais, cito o Fausto Wolff e o Sinval Medina, por exemplo, escritores que sofrem do mesmo destino e, tirante o Sérgio Faraco – que é o cerne do pampa e o pampa de verdade, não aquele que expulsou o pai do poeta –, encontram par em poucos entre os estabelecidos no Rio Grande do Sul. Um dia eu escrevi isso, defendi a tese, mas uma revista achou que eu mexia muito "com suscetibilidades", que era muito subjetivo... Mas tá na gaveta!).

De final, e isso assinala um poeta de vulto, o fato de que Carpinejar não se amasia ao modismo daquela poesia que Bruno Tolentino – que sempre é taxativo e às vezes justo – chamou de poesia cocô de cabrito. A haicaísmos pseudos, ele responde com arcaísmos – no melhor dos sentidos – narrativos de calibre. Em tempos frios, rápidos e virtuais como os de hoje, Carpinejar é capaz de fazer poesia épica, quente, demorada e real.

Um dia descobrirei o que Nejar disse a respeito. Mal imagino a comoção de um pai que merece do filho um poema desse tamanho, quanti e qualitativo.”


quinta-feira, 4 de março de 2010

Blablablogue – Crônicas e Confissões. Organizado por Nelson de Oliveira.



O escritor Nelson de Oliveira (“Naquela época tínhamos um gato”, 1995) já se tornou um referencial de consulta, com sua habilidade em descobrir e divulgar novos talentos literários. Graças aos seus artigos sobre a literatura brasileira contemporânea, publicados na internet e em livros sobre o assunto, pude conhecer trabalhos de excelentes escritores, tais como: João Anzanello Carrascoza (Dias Raros, 2004); Marcelo Mirisola (Fátima fez os pés para mostrar na choperia, 1998), Marcelino Freire (Balé Ralé, 2003), Rosário Fusco (A.S.A. – Associação dos Solitários Anônimos) e outros.

Neste livro, “Blablablogue – Crônicas e Confissões”, Nelson de Oliveira, através de uma pequena (quase ínfima) amostragem, revela-nos a magnitude do universo da chamada “blogosfera”. Embora tenham sido, equivocadamente, a princípio, caracterizados como espaços para divulgação de um suposto egocentrismo dos internautas, os Blogues hoje se tornaram uma fonte segura, eclética e inesgotável de informação e cultura. No livro, Nelson restringiu-se apenas aos blogues da sua “praia”: a literatura. O critério utilizado para selecionar os 21 blogueiros do livro foi o mais simples possível, a afinidade e o fato de conhecer os internautas. O próprio escritor é quem diz: “Curioso isso: os desconhecidos não me interessam tanto. Eu gosto de ler o blogue de pessoas que eu conheço, que moram perto de casa ou, no caso das que moram fora, estão sempre visitando São Paulo. Todas elas são apaixonadas por literatura e a maioria já tem livros publicados.” (p.158).

Alguns dos blogueiros selecionados para o livro, já são escritores conhecidos e de talento inquestionável, como o escritor pernambucano Marcelino Freire, do blogue - http://eraodito.blogspot.com; e o escritor gaúcho Fabrício Carpinejar, cujo blogue leva o seu nome – http://fabriciocarpinejar.blogger.com.br. Mas Nelson de Oliveira, com seu olho clínico, apresenta-nos vários outros novos escritores, entre os quais, destaco:

Andréa Del Fuego: blogue – http://delfuego.zip.net

“Acredito que a inteligência ou o espírito, como quiser, se manifesta quando há uma determinada configuração. Nosso corpo tem uma configuração X, nele o cérebro recebe e envia eletricidade, a base da comunicação, esta, o veio da inteligência. O corpo configurado pode abrigar o espírito e nele instituir faculdades, pois somos uma proposta em andamento. Se o homem, na fabricação de suas máquinas, tentar imitar a configuração humana: organismo e metabolismo, corremos o risco de constituir algo capaz de abrigar um pensamento. Foi o que fizeram conosco, é uma questão de conteúdo e continente. Daqui por diante tenha cuidado ao comprar uma boneca, ela pode se chatear se ficar presa no guarda-roupa.” (in “Cabeça e membros”, p.7)

Bruna Beber: blogue – http://didimocolizemos.wordpress.com

“Velhice é procurar montanhas e achar apenas montanhas de roupa suja. É classificar um disco como “agradável para lavar roupa” no trajeto entre a área de serviço e o macarrão que tá no fogo. / É abrir a janela de manhã pros cartões postais, atrás de sol, e notar que seu único cartão postal é o supermercado pão de açúcar. E ter que ir lá porque acabou o pó de café. / Mas acho que o raio-x da velhice (e da pobreza), mermo, é comprar congelados de um amigo do trabalho pra garantir uma boquinha no domingo. E, claro, esquecê-los no trabalho na sexta-feira à noite.” (in “Dolla”, p.44)

Ademir Assunção: blogue – http://zonabranca.blog.uol.com.br

“Ella é fumante há trinta anos. Semana passada tossiu durante duas horas, onze minutos e trinta e sete segundos seguidos, sem parar. Quase bateu seu recorde anterior. Nesta sexta-feira, Dia Nacional Anti-Fumo, decidiu passar o dia inteiro sem acender um cigarro. Estava indo bem até que viu na padaria a manchete na Folha de S.Paulo: “Serra propõe banir o cigarro de SP”. Não se deu conta inteiramente do golpe até ler a linha fina: “Se o projeto enviado à Assembléia for aprovado, só será permitido fumar ao ar livre ou dentro de casa”. Ella ficou tão abalada que precisou acender um cigarro.” (in Miniconto tabagista”, p. 67)

Ana Paula Maia: blogue – http://killing-travis.blogspot.com

“Às vezes parece que estou amolecendo. Que meu coração pode ser partido em alguns pedaços. Mas não. Quando amoleço, eu choro. E quando choro meu coração se fortalece. É um músculo robusto. Não dá pra perceber porque o meu peito é profundo. É profundo como minha alma, presa às coisas fora da minha dimensão palpável. / Sou sensível por fora, frágil como uma garotinha, mas aprendi a derrubar touros. Eles são fortes por fora e instáveis por dentro. Em meio à instabilidade dos outros, encontro um equilíbrio que move minhas relações. Às vezes desabo. Então eu durmo. Durmo muitas horas. Quando acordo, as horas transcorreram, o planeta girou, pessoas nasceram, morreram, mutilaram-se, desistiram, choraram, beberam, drogaram-se, se desesperaram, concluíram e recomeçaram. Eu acordo. Tomo um banho. Como alguma coisa. Retomo minha vida e me apoio nessas instabilidades que moverão meu novo dia.” (in “Mariposas fazem sombras em mim enquanto sobrevoam a lâmpada da sala”, p. 93)

Por fim, o próprio Nelson, conclui: “Para quem não costuma visitar blogues, esta coleção de crônicas e confissões deve ser entendida apenas como um convite, um aperitivo, uma plataforma de decolagem... O universo on-line é imenso: em cada blogue haverá dezenas de links para outros blogues igualmente interessantes, formando uma trama de infinitas constelações.” (p.158)

“Blablablogue – Crônicas e Confissões”, organizado por Nelson de Oliveira.

(Editora Terracota, 2009, 159 páginas, R$25,00 na Livraria Cultura)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Os cem menores contos brasileiros do século. Organizado por Marcelino Freire.


Um experimento literário. Vale pela arte de escrever (o que for). Inspirados pelo famoso microconto ou miniconto (a distinção é tão sutil que confunde, mas há quem distinga com precisão) do escritor hondurenho, Augusto Monterroso (Bonilla)*, que nasceu em 21/12/1921 em Tegucigalpa, falecendo em 07/02/2003:

“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.”

Um “microconto” com 37 letras que se tornou mundialmente famoso. Foi inspirado nele que o escritor Marcelino Freire (Balé Ralé, Contos Negreiros) resolveu desafiar cem escritores brasileiros para escreverem “histórias” inéditas com até 50 “LETRAS” e não “palavras”. Uma tarefa difícil e que requer um poder de concisão muito apurado. Nos “textos” publicados pelos cem (103) escritores há de tudo um pouco. Doidice sem tamanho, coisa “sem-pé-nem-cabeça”, absurdos despropositais, literatura “conceitual”, “bobiças” para rir um pouco. Não bastasse o tamanho diminuto do livro (13x11cm), que ficou parecido com aquelas pequenas bíblias encontradas nas gavetas de criado-mudo de cama de hotel de terceira. Salvam o livro (ainda bem!) os “textos” de alguns escritores que se propuseram a dar valor ao que levaria seus nomes:

“Faço amizade comigo para tomar uma cerveja.” (in “Fossa”, de Fabrício Carpinejar, p.27);

“Pronto nos olhos, o pranto só espera a notícia.” (in “Vigília”, de João Anzanello Carrascoza, p. 38);

“Banheiro na chamada do vôo. Cálculo renal salta. Ele guarda.” (in “Aeroporto”, de João Gilberto Noll, p. 40);

“- Cabeça?/ - É. / - De quem? / - Não sei. O dono não tá junto.” (in “Disque-denúncia”, de Marçal Aquino, p. 55);

“- Se atrasa, preocupa. Quando chega, incomoda. / - Menstruação? / - Meu marido.” (in “Chico”, de Nelson de Oliveira, p.73);

“Madrugada. / Ele as esmaga com os pés, dá-lhes chance de ferroar.” (sem título, Paulo Scott, p. 77).

Um destaque especial para o cineasta e escritor gaúcho Jorge Furtado:

“- Eu não te amo mais./ – O quê? Fale mais alto, a ligação está horrível!” (sem título, p. 43)

Marcelino Freire, o organizador, é salvo pelo título:

“Ajoelhe, meu filho. E reze.” (in “Pedofilia”, p.56)

Mas o que realmente salva o livro é o texto de Sérgio Roveri:

“- É espinha?/ - Cravo. / - Posso apertar?/ - Não!/ (Ploc)/ - Ai, que nojo.” (p. 93)

Se despertei curiosidade, o livro “Os cem menores contos brasileiros do século” é de 2004, publicado pela Ateliê Editorial, com 104 páginas, paguei R$35,00 pela Internet. Caro. É bom para aprender.

(*)http://es.wikipedia.org/wiki/Augusto_Monterroso