Contista e romancista argentino, nasceu por acaso na Bélgica, em 1914, durante uma viagem dos pais. Formado na Faculdade de Filosofia e Letras de Buenos Aires, foi professor universitário e durante vários anos, radicou-se em Paris, trabalhando como tradutor da UNESCO.
Tornou-se mundialmente conhecido a partir do instante em que Michelangelo Antonioni transportou para as telas um de seus contos, As Babas do Diabo, transformado em um filme extraordinário: Blow-up (1966).
Bestiário, editado em 1951, é seu primeiro livro de contos fantásticos e constitui o melhor conjunto no gênero já escrito em espanhol. Com este livro, Cortázar conquista sua personalidade literária. A seguir, escreve A Volta ao Dia em 80 Mundos, Final de Jogo, Os Prêmios, O Jogo diz Amarelinha, O Perseguidor e O Livro de Manuel, entre outros.
Surpreendente e contestador, compromissado com a contingência humana, Cortázar criou um surrealismo que toca a realidade, fundindo de maneira perfeita o real e o supra-real. No conto é que seu talento criador encontra o verdadeiro caminho. No conto fatástico, de características muito semelhantes às de Kafka, coloca-se entre os melhores escritores contemporâneos, ao lado de Jorge Luis Borges, que afirma: “O conto A Casa Tomada, de Cortázar, pode ser considerado como uma das maravilhas do realismo fantástico.”
O leitor encontrará esse conto e mais sete obras-primas do realismo fantástico em Bestiário, um livro que pode ser lido sob vários prismas e no qual se pode ver uma psicose, um romance incestuoso, um complexo de culpa ou algo assombroso. A opção é do próprio leitor.
Bestiário tem oito deslumbrantes contos da Literatura do Fantástico. Situações complexas, em que o absurdo é sempre possível e aceitável em qualquer hipótese, fazendo com que os personagens permaneçam num plano intermediário entre a razão e a loucura.
Júlio Cortázar é um dos maiores representantes do realismo fantástico. Um dos escritores que mais contribuiu para a atual expansão da literatura latino-americana em todo o mundo, ao lado de Mario Vargas Llosa, Gabriel García Márquez e Jorge Luis Borges.
“Qualquer um que não leia Cortázar está condenado; não lê-lo é uma doença grave e invisível que, com o tempo, pode ter terríveis conseqüências. Não quero que essas coisas aconteçam comigo, então devoro avidamente todas as invenções, mitos, contradições e jogos mortais do grande Júlio Cortázar. “(Pablo Neruda)
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“...Não me censure, Andrée, não me censure. De quando em quando me acontece vomitar um coelhinho. Não é razão para não viver em qualquer casa, não é razão para que a gente tenha de se envergonhar e estar isolado e andar se calando.
Quando sinto que vou vomitar um coelhinho, ponho dois dedos na boca como uma pinça aberta, e espero sentir na garganta a penugem morna que sobe como uma efervescência de sal de frutas. Tudo é rápido e higiênico, transcorre em um brevíssimo instante. Tiro os dedos da boca, e neles trago preso pelas orelhas um coelhinho branco. O coelhinho parece contente, é um coelhinho normal e perfeito, só que muito pequeno, pequeno como um coelhinho de chocolate, mas branco e inteiramente um coelhinho. Ponho-o na palma da mão, levanto sua penugem com uma carícia dos dedos, o coelhinho parece satisfeito de haver nascido e bole e esfrega o focinho na minha pele, mexendo-o com essa trituração silenciosa e cosquenta do focinho de um coelho contra a pele de uma mão. Procura comer, e então eu (falo de quando isto ocorria em minha casa de campo) o levo comigo à varanda e o ponho no grande vaso onde cresce o trevo que plantei com esse fim. O coelhinho levanta suas orelhas, envolve o trevo novo com um veloz molinete do focinho, e eu sei que posso deixá-lo e ir embora, continuar por algum tempo uma vida não diferente à de tantos que compram seus coelhos nas granjas. (in “Carta a uma senhorita em Paris” p.16/17)
Julio Cortázar |
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