"Miguel e os Demônios é o quinto romance de Lourenço Mutarelli, segundo pela Companhia das Letras, sua nova casa. O autor começou nas HQ's, na década de 90, tendo como principal personagem o detetive Diomedes.
Em 2006 teve seu livro O Cheiro do Ralo adaptado para o cinema, e, para este mesmo formato, escreve agora Miguel e os Demônios, ou As delícias da desgraça. E é sobre a desgraça de um policial que o livro trata: Miguel, homem divorciado, volta a morar com o pai, namora uma manicure pobre e feia, e acaba se apaixonando de maneira fatal por um travesti.
Miguel sofre com as moscas e os remorsos de um "serviço por fora" que teve que cumprir: sumir com quatro jovens delinquentes a pedido dos donos de comércios da região. O assassinato dos garotos corrói a mente do policial, assim como as lembranças de um cadáver em putrefação de um cão que Miguel presenciou ainda quando criança.
Após conhecer o travesti, Miguel abandona a namorada, e passa a conviver com forças ocultas em sua vida, como o aparecimento repentino de uma múmia mexicana, uma possessão demoníaca e um voluptuoso desejo de matar um pedófilo da maneira mais cruel que puder. As forças que agem sobre Miguel são desconhecidas e muito além do seu controle.
Lourenço Mutarelli vem estudando a demonologia há certo tempo. Se em seu livro anterior, A Arte de Produzir Efeito Sem Causa, a presença das forças malignas somente é sugerida para quem acompanha o drama de Junior, neste livro a cena da possessão do Dr. Carlos, o delegado patrão de Miguel, não deixa dúvida sobre sua intenção de causar choque e arrebatamento no leitor.
O livro foi escrito como um roteiro de cinema. O leitor percebe as demarcações de fotografia e os cortes de cena capítulo a capítulo. Um grande desafio para o diretor e os atores: transformar esta narrativa noir em um longa-metragem digerível para o público, que agrida sua fé e suas convicções sobre a origem do Mal. Mas só um pouco, só o suficiente.
Acompanhe o blog do autor, no qual ele fala sobre possessão, seu retorno à bebida, sobre Willian Burroughs & outras leituras: www.lourencomutarelli.blogspot.com/
“Miguel e os demônios – ou Nas delícias da desgraça.”
Por Juliarantes do "O Mundo será Tlön". (25/12/2010)
"Ontem li “Miguel e os demônios”, o segundo livro do Lourenço Mutarelli publicado pela Companhia das Letras. Há uns dias atrás, li o “A arte de produzir efeito sem causa”, ambos indicados pela @lauraacohen.
Nesses dois livros, tive a impressão de que o Mutarelli tenta arrancar do leitor uma impressão sensorial do que é narrado e, para isso, trabalha em cada romance estruturas diferenciadas. Em “Miguel e os demônios”, a organização do livro se determina através do formato de roteiro cinematográfico. O leitor realmente enxerga o cenário, os diálogos, como as cenas são captadas, os personagens. A sensação aqui estende-se ao campo imagético. Esse conjunto de caracterizações visuais são organizadas de forma que atinjam o leitor provocando um mal estar. Tudo é muito decadente no livro: o relacionamento de Miguel com a manicure; o serviço extra e as suas consequências; o apartamento em que o protagonista e o pai vivem; o calor infernal de dezembro. Senti desconforto, um incômodo em relação às pessoas, às suas idiossincrasias, tudo que constitui o ser humano. Foi interessante ler esse livro nessa época do ano, a mesma época retratada pelo narrador, das festas de fim de ano. O meu desconforto ao ler o livro é parecido com a sensação de quando vejo as pessoas loucas nas ruas, andando em bandos nos passeios apertados, como vacas sendo organizadas no curral para o abate. Porém, o que transmite realmente a sensação que tive ao ler o romance foi a mesma de quando vejo alguma reportagem no jornal de algum crime hediondo. É o nojo puro pela própria espécie.
O que consiste mesmo o livro é a relação maniqueísta entre o bem e o mal. Pelo título do romance não é muito difícil deduzir que o autor se prende mais ao conceito de mal. Ao longo do livro, Mutarelli lança elementos no enredo que compõem e até corroboram com a nossa visão prévia de maldade, bondade etc. Em um certo ponto da narrativa, o autor “desmente” alguns conceitos e explica os acontecimentos da vida do protagonista. No site da Companhia das Letras, o livro é posto como a “descida aos infernos” feita por Miguel.
O estilo do Mutarelli é bem seco: diálogos concisos, não se demora em narrações extensas para retratar os ambientes, personagens etc. A linguagem é informal, o cenário é a decadência da classe média/baixa que imprime ainda mais frieza. Apesar de compreender que o estilo do autor é esse, acho que em certos momentos essas características atrapalham um pouco a formação do enredo, algumas passagens pediam uma profundidade maior.
Muito bem, quando o homem errante descobre a possibilidade de cultivar o solo e de criar pequenos fossos para cuidar dessas questões sanitárias, ele se fixa. Uma vez fixado, agrupa-se. Em grupo, desenvolve a linguagem para transmitir o conhecimento de geração a geração. Buscando nomear todas as coisas, toda a matéria e sensação, o homem formata seu cérebro. Entre o quente e o frio, o duro e o mole, Concordia discors, simpatia ou antipatia, bom ou mau, antitheta. Entre os contrários o homem modelou seu pensamento. Com base na dualidade, binário. O cérebro desde então se fez dicotômico. Binarius.
MUTARELLI, Lourenço. Miguel e os demônios – ou Nas delícias da desgraça. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. pp. 66."
Lourenço Mutarelli |
Acho que o livro se perde um pouco. O enredo é interessante, com tiradas sutis, típicas do autor, mas no final decepciona um pouco. O excesso de citações confunde. Preferi o "Jesus Kid" e "O Natimorto".
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