Duas resenhas selecionadas sobre o livro:
"Considerado pela crítica um dos mais talentosos escritores britânicos da atualidade, Will Self apresenta neste romance uma galeria de personagens vivos e mortos, como a protagonista Lily Bloom, uma velha rabugenta, racista, politicamente incorreta e hilariante, que depois de sucumbir ao câncer começa a desfilar suas lembranças sem poupar nada nem ninguém. Indicado ao prestigioso prêmio literário britânico Whitbread em 2002, Como Vivem os Mortos expõe, com sarcasmo e inteligência, toda a futilidade do mundo moderno.
Lily Bloom, 65 anos, judia americana radicada em Londres, não foi uma mulher agradável em vida, e não haveria por que sê-lo na morte. Depois de perder a batalha contra o câncer, essa senhora não tão velha, e sem dúvida ainda muito sagaz, é levada por um taxista cipriota e por seu novo guia para o mundo dos mortos: o subúrbio. Em meio a um programa de 12 passos destinado a lhe ensinar a estar morta, a refeições ingurgitadas e regurgitadas por convivas mortos em volta de uma mesa de restaurante, Lily relembra a própria vida. E não há nada de nostálgico nessas lembranças.
Do mundo dos mortos ela pode observar as duas filhas: Charlotte, certinha e contida, em quem não consegue ver outra coisa senão o rosto estúpido do ex-marido, e Natasha, sua preferida, uma viciada linda e louca que gravita pelo submundo de Londres. Mas o tempo dos mortos se estica, interminável, e a entediada Lily o preenche também com lembranças ácidas de sua vida dos dois lados do Atlântico ao longo de boa parte do século XX, com todos os seus vícios e absurdos.
A metralhadora giratória implacável de Lily, em estilo já familiar aos leitores de Will Self, constitui uma experiência literária de originalidade e humor negro raramente alcançados. Em Lily Bloom, o escritor britânico criou um dos personagens mais inventivos da ficção contemporânea. Na época de sua publicação original, alguns críticos viram em Lily o reflexo da mãe do autor, e na bela junkie Natasha sua própria imagem travestida de mulher. Mas mesmo essa leitura autobiográfica é incapaz de anular a singuralidade da criação literária de Self." (Fonte: Planet News.)
E por Jerônimo Teixeira do Veja On-Line.
"Na versão do escritor inglês Will Self, a perspectiva de uma "vida após a morte" não é nada alentadora. Prisioneiros de um indefinido estado imaterial, os defuntos do romance Como Vivem os Mortos (tradução de José Rubens Siqueira; Objetiva; 366 páginas; 47,90 reais) não têm olfato, não podem fazer sexo e não são capazes de ingerir comida. Como fantasmas, não parecem capazes de assustar ninguém – pelo contrário, tomam sustos cotidianos das mais variadas divindades: Jesus Cristo faz aparições na cozinha e o deus hindu Vishnu, no banheiro.
O mais desalentador, porém, é que, salvo as bizarrices sobrenaturais, a existência dos mortos difere em muito pouco da vida terrena. Self sugere que a morte não traz nenhuma sabedoria transcendente, e que tudo o que se carrega para o "outro lado" é a mediocridade. Mas ele passa esse recado cínico com muito humor – um humor bilioso de tão negro. Os mortos de Self, um dos autores mais irreverentes da literatura inglesa contemporânea, não seguem um túnel de luz para planos superiores. Eles apenas mudam de bairro. Vítima de um câncer, a protagonista do livro, Lily Bloom, faz a passagem de uma vida tediosa e banal em um subúrbio de Londres para um pós-morte tedioso e banal em outro subúrbio da cidade. Do além-túmulo, ela ainda observa, com reprovação, a vida de suas duas filhas, a perua Charlotte e a drogada Natasha. E ela mesma é assombrada pelo primeiro filho, o endiabrado David, que morreu atropelado aos 9 anos.
Consta que a personagem de Lily é inspirada na mãe do autor, ela também uma judia americana que se radicou em Londres e se casou com um não-judeu inglês. Se é verdade, Self deve ter tido uma infância infernal. Lily é uma personagem odiosa, incapaz de qualquer sentimento terno pelo próximo – ela observa até as filhas com uma "objetividade fria". Embora seja judia, ela dispara tiradas anti-semitas de fazer empalidecer um nazista. Também despreza os ingleses, os ricos, os pobres e os médicos. Lily, em suma, detesta o gênero humano.
É ela própria que narra sua história, e seu tom ranzinza às vezes torna o livro desnecessariamente pesado. É como se a narradora defunta estivesse congelada em uma pose única, dando uma perpétua banana para o mundo. Será difícil determinar se essa atitude agressiva brota naturalmente da ranhetice senil da personagem ou se foi plantada artificialmente no livro pela eterna rebeldia adolescente do autor. Self, afinal, é um sujeito barulhento, conhecido por alguns escândalos, como o suposto uso de heroína no avião do então primeiro-ministro John Major, em 1997, quando fazia a cobertura jornalística da campanha eleitoral (o incidente custou o emprego de Self no jornal The Observer).
Mas ele é também um escritor dotado de uma imaginação ao mesmo tempo convincente e delirante, a quem se podem perdoar os exageros de tom. Uma prova disso é o subúrbio dos mortos que Self criou nesse romance – um lugar que chega até a despertar nostalgia do velho inferno católico."
Will Self |
Gosto da sua crítica (por si mesma pois ainda não li o livro), o geito de dizer e comentar.
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