Publicado em Veneza em 1786, portanto antes da Revolução Francesa, A
Ninfomania ou o Furor Uterino, que se embeleza com título de Tratado
Áureo, mais do que escrito minuciosamente por um cientista - o Senhor D. T.
Bienville, doutor em medicina - parece ser obra de um malicioso libertino. O
excesso de descrições fisiológicas e a prudência científica, envolta nos
inevitáveis vapeurs, transforma a lição deste Hipócrates do século XVIII
em um garboso e agradável tratado de literatura erótica, comparável aos grandes
clássicos libertinos de sua época.
Escrito em francês, publicado originalmente em versão italiana, este
curioso ‘tratado’ mereceu através destes mais de 200 anos as mais variadas
opiniões, teses e estudos. Sua abrangência e ocultas intenções confundiram os
seus contemporâneos e o projetaram na história, estabelecendo um documento
fundamental de época. Uma época em que um tratado científico/sociológico, uma
vez colocado no papel e publicado, não-raro - e
este é um caso eloqüente -, acabava passando por boa literatura. (contra-capa)
"DA NINFOMANIA OU DO FUROR UTERINO EM GERAL
Por Ninfomania entende-se um movimento desordenado das fibras nas partes
orgânicas da mulher. Essa doença é diferente de todas as outras, na medida em
que as outras atacam furiosamente e apontam quase sempre para o mesmo fato,
através de sintomas evidentes, toda a sua malignidade; ao passo que esta, ao
contrário, esconde-se quase sempre sob o extrínseco enganador de uma aparente
calma, tendo, além disso, muitas vezes um caráter perigoso, do qual ainda não
foram descobertos nem os avanços nem os princípios. Por vezes, a paciente
afetada por ela encontra-se à beira do precipício sem compreender o perigo. É
uma serpente que, insensivelmente, sibila no coração. Feliz da paciente se,
antes de ser ferida mortalmente, encontra ainda assim vigor suficiente para
afastar de si o inimigo que tenta destruí-la!
Essa doença ataca por vezes as mocinhas solteiras, cujo coração, prematuro
para o amor, manifestou-se
em favor de certos jovens por quem se apaixonaram perdidamente e que,
para conquistar, encontraram obstáculos insuperáveis.
Vêem-se ainda algumas mocinhas
desencaminhadas, que por um longo espaço de tempo têm levado uma vida
voluptuosa, atacadas desavisadamente por esse distúrbio; e isso acontece quando
um retiro forçado as mantém distantes das oportunidades que favorecem sua real
e fatal inclinação.
Não vamos tampouco eximir as casadas,
principalmente aquelas que se encontram unidas com homens de um temperamento
frio e frágil que exige sobriedade nos prazeres, ou com outros pouco sensíveis
e pouco inclinados a tais prazeres.
Por fim, estão freqüentemente expostas a ela
as jovens viúvas, especialmente aquelas a quem a morte privou de um marido
vigoroso, com cujo comércio, através de atos vividamente repetidos,
habituaram-se ao prazer; cuja grata memória desperta nelas tais desejos que,
inconscientemente, causam inquietações, agitações e enfim movimentos
involuntários, mas que em pouco tempo reduzem o espírito ao mais aborrecido
estado. Todas, em suma, após serem atingidas pelo distúrbio, ocupam-se
perpetuamente, com igual força e vivacidade, de objetos capazes de acender em
suas paixões a chama infernal do prazer lúbrico... " (p.20/21)
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