quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Terra de Santa Cruz. Adélia Prado

Não, não é mais um livro de poesia. Não, não aquela poesia carregada de simbologia oculta, como num quebra-cabeça de 2.000 peças, tampouco aquela poesia pseudo-autoterápica de um escritor proplema, monótona e psico-autobiográfica, que faz jogo de palavras, complica o fácil e nos obriga a fazermos de conta que estamos entendendo.
A poesia de Adélia Prado é objetiva, forte, chocante, que incomoda e nos faz refletir instantaneamente, sem releituras ou com auxílio de um dicionário. Adélia quer por que quer e precisa dizer algo, e por que não de forma tão clara e sem rodeios. Pensamos e falamos de um jeito e agimos de outro? Parece não, é pura hipocrisia. Religião, sexo, sociedade. Tudo é posto sob o crivo impiedoso e radical da visão de uma poeta fenomenal que é Adélia Prado. Uma poesia que precisa ser lida e absorvida. E vai doer, em muita gente.
“Adélia Prado surgiu — melhor seria dizer floresceu — para a poesia brasileira, em 1976,  com os poemas de Bagagem. Reconhecida de imediato por Carlos Drummond de Andrade como voz absolutamente única entre o que nossa poesia vem produzindo de melhor, Adélia Prado, desde então, a cada novo livro, conquistou a unanimidade do público e da crítica — fato raro na carreira de qualquer poeta tanto na poesia quanto na prosa (Solte os Cachorros, Cacos para um Vitral).
Adélia vem conseguindo construir uma linguagem cujas características mais evidentes são a instantânea apreensão da realidade que a cerca e a transformação dessa realidade através de uma visão crítica marcada — sem qualquer contradição — pela sensualidade desabrida e pela experimentação autenticamente cristã do mundo. Como ela própria diz agora em Terra de Santa Cruz: “Meu coração bate desamparado onde minhas pernas se juntam. E tão bom existir!” (contra-capa)
“Meu pai e minha mãe que se privaram/ da metade  do prato para me engordar/ sofreram menos que eu./ Pecaram exatos pecados,/ voz nenhuma os perseguiu.” (in “A boca”, p.15)
“Eu pensava que sexo era a noite inteira/ e só de manhãzinha os corpos despediam-se./ Para mim veio muito tarde/ a revelação de que não somos anjos.” (in “Trottoir”, p.17)
“Tenho os mesmos desejos de trinta anos atrás,/ imutáveis como os mosquitos na cozinha ensolarada,/ minha mãe fazendo café/ e meu pai sentado, esperando.” (in “Cacos para um vitral”, p.21)
“Queremos ser felizes./ Felizes como os flagelados da cheia,/ que perderam tudo/ e dizem-se uns aos outros nos alojamentos:/ “Graças a Deus, podia ser pior!” (in "A face de Deus é vespas", p.23)
Adélia Prado

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