segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Dias raros. João Anzanello Carrascoza

Conheci a obra de Carrascoza por recomendação de Nelson de Oliveira, um divulgador de novos talentos ao ler na internet o teor de uma palestra sobre a nova geração de escritores. Primeiro li uma obra infanto-juvenil de Carrascoza, cujo título não me vem agora, mas foi esta temática que o lançou como escritor, e depois este "Dias raros" (2004) e, mais recentemente, "O volume do silêncio" (2006 - ainda estou lendo). Comprei, por acaso, "Dias raros" (eis a vantagem de se conhecer bons escritores), num saldo de uma livraria na gigantesca rodoviária de São Paulo, por R$7,00 (livro novo). Li, como dizem, num só fôlego e foi gratificante.

Nos dez contos de "Dias raros", João Anzanello Carrascoza nos mostra sua grande capacidade de induzir o leitor a novas experiências, urbanas  ou não, cotidianas, numa linguagem tranquila e acessível, conservadora (no bom sentido), sem excessos ou sotaques. Talvez, trazendo para sua temática "adulta" (sem subverter) o mesmo processo de leitura digestiva, de cujos contos destaco "Cidade-mundo" (p.8) e o que deu nome ao livro "Dias raros" (p.94).

“Então era a vez, a primeira, que o menino iria à cidade de que diziam ser, só ela, o mundo inteiro. O mundo em toda a sua diversidade, e, se lá de cima, das altas voragens, a gente o contemplasse, haveria de parecer uns caminhos desenhados, como as asas de uma borboleta multicolorida. A cidade e seus destinos a se enredarem, tal qual os veios de uma folha viva. Nela moravam os tios com uma filha; o menino e a mãe iam visitá-los, e ele, quieto, antes de partir, dava uns contornos imaginários ao rosto da prima, nenhum retrato tinha dela, nem seu nome sabia — e era o de menos; demais só a ânsia de conhecer a cidade-mundo.


Saíram ainda escuro, a manhã hesitava, uns cheiros de dia novo pairavam no ar, e o menino se ria, no feliz de fazer uma viagem, coisa mínima para a maioria, ir de um aqui a um ali, costurar as margens do cá às do lá, mas para ele a raridade que raiava. O pai os levara de carro até o ponto de ônibus na estrada. E agora iam eles, mãe e filho, e entre ambos, apertada, a felicidade do menino, temendo alargar-se, balão não de todo inflado pela ameaça de explodir. Mas também ia na poltrona da frente a cisma: como caber em seu juízo lugar tão grande? Ali onde vivia, vilarejo...” (in Cidade-mundo, p. 9)

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