segunda-feira, 22 de março de 2010

Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimentos dos monstros. Elrodris


“Por isso, batam palmas, estranhos, batam palmas, aqui está a estória de mais um criador de monstros, um padrasto como outro qualquer, o Senhor Volátil em pessoa.” (p.85, em “As estátuas planas de Paul Sem Nomes). Sim, Elrodris nesta passagem, inconscientemente (ou não), já faz sua auto-definição: “um criador de monstros”. Elrodris, mais tarde assumiria, então muito corajosamente, seu próprio nome: Paulo Scott. Este especialista em criar monstros cria também atmosferas tétricas, sombrias, para que seus monstros possam viver em paz, mas com seus sofrimentos apenas atenuados. Apesar de longo, o título ajuda o leitor desavisado a entender, um pouquinho que seja, esta obra que para mim é emblemática. Para um primeiro livro, Elrodris (ou Paulo Scott) já antecipava parte da sua contundente proposta social: “domesticar as paixões” (dos anjos também); “atenuar os sofrimentos” (dos monstros também); e, claro, “alucinar e embasbacar” os leitores.

Histórias Curtas é de 2001 e, para o ano que iniciou um novo milênio, por que não publicar um livro impactante, com temática inédita, estilística e estruturalmente controvertido, nem prosa nem poesia, ou um misto de tudo e um pouco mais? Os teóricos literários (urgh!) que quebrem cabeça para “viajar na maionese” e enquadrarem um livro como este em algum estilo preestabelecido nos seus velhos manuais pedagógicos (puff!). Mas os livros são feitos para serem lidos, para a grande (ou nem tanto) massa de leitores, não para críticos literários ou para servirem de pesadelo aos vestibulandos. Este livro de “Histórias Curtas” já começa inovando pela apresentação dos textos, associados com arte. São produções de vários artistas, produzidas em litografia, computação gráfica, nanquim (p.87), que, se não enriquecem mais os textos, os tornam mais agressivos. Uma das propostas de Elrodris, nestas suas histórias curtas, talvez (particularmente falando) tenha sido a de mostrar ao público leitor uma (ou algumas) das possibilidades de escrita que a grande literatura se permite. Exemplo de que o escritor, o bom escritor, pode não só inovar em temática, mas em estilo, em estrutura, em apresentação ou o que mais ele bem quiser. Afinal, como todo o escritor, Elrodris “brinca” de Deus e até O ironiza com estilo: “...Deus deixa os sábios se anotarem, uns nas costas dos outros, pois temem o erro de uma vida em vão. / Deus é esperto, é gerente, aprende com os medos desses seus brinquedos.” (p.21, in “O jogo dos ignorantes”).

Eis, então, um pouquinho de “Histórias Curtas”:

“Vou procurar teus dedos cortados na minha caixa de curativos, estavam junto do veludo vermelho que forrava teu vestido. Eu sei que quando encontrá-los continuarei sem você.

Ando com os bolsos vazios, com medo de ser uma daquelas pessoas que te esqueceram, com medo de abandonar meu laboratório portátil e a programação das vinte e uma.

Ando com pessoas que mentem e prometem na vida se perder. Há, em todos, uma frieza adolescente, um desalento calculado do qual estou cansado.

Porém, no fim, quando de tudo isso desacomunado, talvez, possa esperar sozinho o amor que foi desprezado, sem mais dos teus dedos me perder.” (p.14, in “Lambendo a saudade em selos de estricnina”);

“Do outro lado da porta, uma brincadeirinha devassa caçoa de mim, enquanto promete que vai me amansar. Ai que medo! É o Seu Escuridão que me espera nas frestas e cantos para me beijar.

- Seu Escuridão, seu escuridão, no teu ventre, juro, vou desmaiar. Você me quer? Você me segura?

Não há respostas. Apenas um silêncio ardiloso que, eu sei, anda em voltas, medindo-me, quase me ganhando no seu emaranhar. Tentando romper as trancas, atado à impaciência do vento noturno como um parasita que se disfarça sem horários. Seu Escuridão cavalga sem rosto nos meus calafrios. Seu Escuridão espera, já sabe que me devora, e eu gosto. Ai que medo!” (p.33, in “Ai que medo!”).

Enfim, admito: sou fã incondicional de Paulo Scott. Sua bibliografia não é extensa, mas bem que poderia, para o nosso deleite. Este “Histórias Curtas” é de 2001, depois foi “Ainda Orangotangos” (2003 – contos); “Voláteis” (2005 – romance); em seguida “A timidez do monstro” e “Senhor Escuridão” (poesia -?), ambos de 2006. E tenham uma boa viagem durante a leitura, Senhores!