quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ainda Orangotangos. Paulo Scott


Ainda Orangotangos, o livro.

Em “Ainda Orangotangos” (2007, Editora Bertrand Brasil, 84 páginas, R$23,00), o escritor gaúcho Paulo Scott publica seu primeiro livro de “contos”, cujos temas variam, sutil ou drasticamente, da bandeira contra o preconceito, em narrativa linear, (vide “Um lugar como outro qualquer” p. 21) até o densamente psicológico (vide “Ainda Orangotangos” – p. 39). Mas, para quem já conhece a obra do escritor, seus “contos” não fogem do seu tradicional e marcante estilo. A prosa de Paulo Scott é ainda tão angustiante quanto suas histórias-curtas ou “poesias” (“A timidez do monstro” e “Senhor Escuridão”, ambos de 2006). Textos cujas narrativas estão, quase sempre, sob a atmosfera do medo, mais que o da insegurança (muito diferente da vida real?). Nesses contos curtos, a instabilidade emocional é uma constante perturbadora. A produção de Paulo Scott permanece ainda enigmática, sombria, quase... “alienígena”. E pensar que Paulo Scott é brasileiro, e, o que é melhor, gaúcho. “Still Orangutans, The Book!” – diriam os gringos numa tradução. O livro! Friso apenas para não confundirmos com “Ainda Orangotangos - o filme” (de Gustavo Spolidoro – 2008, 81 minutos), inspirado, principalmente, no conto homônimo do mesmo livro. Mas o livro merece destaque especial, à parte.

Nos contos de “Ainda Orangotangos” há predominância de uma temática complexa, com narrativas densas, personagens paranóicos e depressivos, ambientes claustrofóbicos, capazes de gerar desconforto, estranheza e insegurança no leitor. Lemos e voltamos, relemos e, quanto mais prestamos atenção, quanto mais analisamos, mais confusos ficamos. Interrogamo-nos com freqüência: mas que parte que eu não captei? Mas isso é ruim? São contos entediantes? Não, ab-so-lu-ta-men-te não. São contos fortemente caracterizados pela ousadia, pela inovação, ora na estrutura textual, ora na pessoa do narrador (ou narradores simultâneos - ?!). Contos que nos desafiam e nos impressionam. A realidade é lapidada com precisão e delicadeza (só o que realmente interessa nos é revelado), às vezes sob o foco do fantástico e do surreal, recursos estilísticos que se não nos assombram, perturbam, causam insônia, taquicardia. O resultado é um quadro de horror, pesadelo (febril). Apesar de tudo, os personagens dos contos são perfeitamente possíveis (há exceções, claro) e transitam pelas ruas de Porto Alegre (mas que poderia ser em qualquer cidade do mundo). O que pode incomodar e causar certo desconforto em alguns leitores é a descoberta da sua limitação interpretativa. É frustrante a percepção do não-entendimento imediato e, então, vemo-nos obrigados a reler, até a exaustão, se necessário (sou insistente, muito mais que teimoso!). Sugiro, então, fechar o livro e voltar a lê-lo no dia seguinte: com certeza, terá outra interpretação (ou... mais dúvida!).

Nas orelhas do livro e na capa há comentários de gente de peso: Marçal Aquino, Luiz Antônio de Assis Brasil, Charles Kiefer e Daniel Galera. Portanto não estou só. Minha voz não é dissonante. Prefacia a obra, José Castello, que disseca os contos e nos apresenta o livro, como verdadeira advertência ao leitor: prepare-se!

“... São relatos curtos os de Scott, que fuzilam o leitor com sua radicalidade. Depressão, horror, desalento que os humanos temperam com sexo. Já não importa a qualidade, já não importa o amor, interessa saber por onde deságuam essas energias, de que forma mitigam a grande dor e com que forças continuam em seu caminho. Gritos, não de prazer, mas de desespero, como “Insônia postiça” (p.29). O sexo vivido na fronteira da dor e do espanto. Como uma condenação./ O Estilo de Scott é cruel. Frases rápidas, tiros, cortes, disparos. Cenas que saltam à nossa frente, sustos, golpes. Palavras que deslizam em significados insuspeitos, venenos. O bem e o mal diluem-se no tédio. Personagens que mal aparecem, que se esquivam, que se escondem. Sem nomes, sem perfis, sem psicologia, agentes secretos a circular no grande turbilhão do real.” (p.11);

“... A ventarola da cabine ficou aberta, o vento entra e sai furiosamente, joga um frio que arde em meus lábios. O vagão balança como um torniquete frouxo, desejoso por descarrilar, nadando nos míseros segundos da queda (primeiro pela grama coberta de gelo, depois encosta abaixo), igual aos teus dedos mortos na minha boca.” (in “Os Robalos” p. 25);

“... As letras da folha estão em vermelho úmido. É sangue. Vou à janela, grito por socorro. Imediatamente, começam a arranhar a porta (parecem dezenas de unhas). Escrevo, desesperado: quem está aí? Ratos, é a resposta...” (in “Pusilânimes no café-da-manhã”, p.28);

“... Vai à cozinha, enfia o cateter na bexiga, urina no panelão de alumínio (a melhor coisa do dia), põe pra ferver. Senta no sofá, conta o dinheiro, abre os curativos. Ouve barulho na entrada, alguém se arrasta. Que idiota ousaria? A luz do corredor reflete na parede uma sombra lenta. Pela altura, um bebê.” (in “Ainda orangotangos”, p.42);

“... Pô, tio... não to querendo problema, me vende uma cartela e eu te pago depois, ele fala e encosta a testa na borda da tábua. Escuta aqui, neguinho... Não sou neguinho, tio!, meu nome é Martin. Não, diabo!, é neguinho, neguinho, o atendente vocifera, parado com as mãos nas grades: e cai fora duma vez... ne-gui-nho! A chuva aumenta. Sob a marquise: a claridade fluorescente, mais nada. O menino desencosta a cabeça da borda da tábua, ajeita o boné sob o capuz de náilon, uma lágrima escorre do olho.” (in “Instante duro”, p.62).

Querem ler o conto “Ainda orangotangos” na íntegra? Acessem, clicando no título do livro. Ou no endereço abaixo.

http://atimosotimos.blogspot.com/2009/12/ainda-orangotangos-paulo-scott.html