sábado, 24 de outubro de 2009

Vitrola dos Ausentes. Paulo Ribeiro


Responda você que gosta muito de ler e acha que já leu de tudo um pouco. É possível fazer uma "obra" literária, romanceada, sem enredo, sem personagens principais e com texto com supressão total de conetivos? Pergunta difícil, mas Paulo Ribeiro conseguiu. E de maneira, a meu ver, inédita e surpreendente.

Paulo Ribeiro é gaúcho de Bom Jesus, Doutor em Letras, e conseguiu fazer em "Vitrola dos Ausentes" uma obra "sui generis", só com personagens "figurantes". São pessoas comuns do povo, de cidade pequena, com sua linguagem, embora simplória e cheia de vícios, compreensível. O autor traz para a "Literatura" aquilo que é sempre esquecido e omitido por preconceito de muitos autores, muitas vezes por equívoco, por acharem tratar-se de coisa menor, sem valor, cheia de "erros" de português.

Na sintaxe, Paulo Ribeiro recorre ao uso predominante de frases com oração simples, de apenas um verbo, como a linguagem de gente simples. Pessoalmente, acho que "Vitrola dos Ausentes" não é uma obra para qualquer leitor. Para ler, entender e se manter fiel à linha da narrativa, o leitor precisa de atenção redobrada às frases aparentemente soltas, pois freqüentemente se ligam a uma anterior.

"Vitrola dos Ausentes" eterniza detalhes e traz um passado esquecido, mas ainda vivo na memória de muita gente: "pomada Minâncora"; "Falta Kissme e Hollywood sem filtro ao lado das carteiras de Continental"; "Jeep"; "Kombi das Freira" (sem o "s"); "caminhão GMC"; "barulho de lambreta"; e "Vitrola" (que é ainda anterior ao toca-discos, precursor dos modernos "cd-players").

Sem o regionalismo tradicional, Paulo Ribeiro retrata a linguagem popular das pessoas simples do sul do país. Termos muito populares, mas raramente lembrados, como: "balõezinhos = embaixadinhas"; "patente = latrina"; "bidê = criado-mudo". E expressões mais comuns ainda: "As bolhinhas iam tudo voando."; e "Estragando tudo os pano dos vestidinho."

Para o leitor, como um alerta, vai um breve comentário de Luís Augusto Fischer que apresenta a obra: "... Para acompanhar esta "Vitrola", só tem um jeito: é aceitar o risco de seguir a perspectiva do texto, que é estreita e dá uma sensação de sufocamento...". Para mim, ainda vale comentar que o grande mérito de "Vitrola dos Ausentes" está na ousadia da inovação, do experimento bem sucedido. Paulo Ribeiro repete o êxito semelhante a outros grandes escritores brasileiros contemporâneos como Sérgio Sant'Anna e Ricardo Ramos.

"Vitrola dos Ausentes" foi publicada primeiramente em 1993, e reeditada em 2005 agora pela Ateliê Editorial. (Ramiro R. Batista)

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