sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A timidez do monstro. Paulo Scott


O livro “A timidez do monstro”, de Paulo Scott, apresenta mais um representante de uma nova geração de escritores, cuja produção literária se mostra inovadora, incomum, diferenciada e, ao mesmo tempo, rica. A poética de Paulo Scott beira o inclassificável, algo intermediário entre a poesia, a prosa-poética e prosa. Os textos de Paulo Scott são poesias com enredo, instigantes e perturbadores. Este escritor gaúcho não produz apenas ficção, cria palavras, verbos (“minusculam a oração na boca” ou “sonhei que discotecava na sala”), ou conjuga o impossível (“os dedos engolem/ a sombra da infância”) e nos faz lembrar o saudoso Quintana em “ajeito teu sim/ com os polegares/ frito-os aos gritinhos”. E Paulo Scott atinge a genialidade, a meu ver, em:

“hoje fui atacado por uma dessas aranhas-gota
são animaizinhos que se alimentam da respiração humana
descem pelos azulejos, aí saltam, picam no pescoço
(geralmente atacam em dupla)
e sobem rápidas para o couro cabeludo,
a vítima tem menos de um minuto
para se ajeitar na posição horizontal,
é a única forma de aplacar a dor
que se alastrará pelos globos oculares,
procurá-las é inútil, desista, elas cavalgarão na sua cabeça,
a paralisia durará meia hora,
você não adivinha a saudade que me veio
quando o efeito do veneno passou”
(in “Ainda o movimento para o primeiro amor”, p.77)

Ou o máximo da criatividade em:
“piso na areia, percebo o bilhete laranja espetado no graveto
seco, “escolha uma dia de verão em que a água esteja muito
fria, aguarde até que uma menina (dessas com menos de
nove anos, com os ossos ainda tenros) entre no mar, sem
que haja alguém por perto, e, sem desvestir as roupas, entre
no mar também e a carregue pela cintura, nadando rápido
até os dois desfalecerem; ela se tornará sereia”, dobro o
bilhete e o enfio no bolso, evito encarar o oceano, algo
me aguarda nas espumas da rebentação
(in “Roteiro básico para fabricar sereias”, p. 103)

Paulo Scott é outro escritor referendado pelo poeta gaúcho Fabrício Carpinejar, que assina o prefácio de apresentação da obra, e esclarece: “Em uma poética moderna e fraturada, Scott reúne o que antes alimentava poetas católicos como Jorge de Lima e Murilo Mendes ou ateus como Jim Morrison e Rimbaud: evidência e violência...” (p. 9).

O livro “A timidez do monstro” reúne textos produzidos pelo autor de agosto de 2003 a janeiro de 2005. Edição de 2005. Cortesia da Editora Objetiva Ltda. (Ramiro R Batista)

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