Há uma operação lógica na cabeça dos personagens do novo livro do escritor Zeh Gustavo, como uma auto-observação de suas capacidades de ação e reação. Já tinha percebido isso numa autoironia de Sérgio Sant’anna que seus personagens parecem que se ouvem mentalmente numa espécie de autoescuta. É como um movimento de narração para fora-e-dentro. Uma autoconsciência de suas ações no percurso da trama onde cada personagem se insere. Lendo Eu algum na multidão de bicicletas verdes agonizantes, Editora Viés, tive esta mesma, percepção de personagens que vivenciam situações sociais onde se perdem os processos de individuação perante a mais valia do mundo das ruas e cidades.
Até há uma individuação, mas ela não é validada por aceitação de um status social, onde os personagens são cooptados pelo sistema. Gustavo talvez vá um pouco mais longe do que Sérgio, pois o autor, aqui resenhado, movimenta todo universo mental de suas criaturas, criando um universo linguístico próprio com neologismos - palavras aglutinadas, numa espécie de semântica própria da relação da pessoa com seu entorno.
Além de existir uma espécie de fatalismo, onde os personagens reagem até determinado ponto em suas condições sociais, nunca as modificando para melhor, e sim uma ironia benfazeja em aceitar o entorno do jeito que é. Se pensarmos que o fascismo é mudar os outros e o ambiente para o jeito do que o eu (ego) é ou está, aqui Zeh parte pelos seus personagens pelo estatuto da transgressão do individualismo capitalista. Ver o entorno com a beleza de suas contradições, com falta de juízo em destituir a banalidade do mal. A linguagem para o escritor parece a única possibilidade de descondicionar o homem de sua prisão social. Quando se liberta a palavra tanto de jugos como de sua operacionalidade formal e semântica, criando a bagunça onde moldes e modelos podem ser rejustificados.
Fonte: Literatura & Fechadura, 31 ago. 2018.
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