quarta-feira, 18 de maio de 2011

Cock e Bull - Histórias para boi dormir. Will Self

"Começos inesquecíveis: Will Self 

(por Sérgio Rodrigues do Veja Abril)

 

Bull, um rapaz encorpado e musculoso, acordou certa manhã e não levou muito tempo para se dar conta de que, enquanto dormia, adquirira uma outra característica sexual primária: a saber, uma vagina.

A vagina brotara atrás de seu joelho esquerdo, dentro da covinha macia e flexível localizada no ponto onde terminam os tendões. É quase certo que Bull não a perceberia tão cedo, não tivesse ele como prioridade, logo ao despertar, o hábito de se inspecionar, explorando cuidadosamente todas as suas curvas e fendas.

Qualquer semelhança com Kafka não é coincidência. Nem plágio. Este é o início do primeiro capítulo, chamado justamente A metamorfose, da novela “Bull, uma farsa”, que compõe com “Cock, uma noveleta” o livro “Cock & Bull – Histórias para boi dormir”, do escritor inglês Will Self (Geração Editorial, tradução de Hamilton dos Santos, 2a. edição, 2002). Em “Cock”, em perfeita simetria, é a protagonista que um belo dia descobre entre as pernas um recém-brotado pau. Satirista feroz e, nos melhores momentos, brilhante em sua mistura de erudição, grosseria e delírio pop, Self, de 45 anos, é um autor bem estabelecido na literatura britânica, mas nunca deu certo no Brasil.

Não por falta de tentativas. Além deste livro, a Geração lançou o violentíssimo “Minha idéia de diversão”; a Objetiva, o divertido “Como vivem os mortos”; e a Alfaguara, ano passado, o engenhoso – mas um tanto esticado – “Grandes símios”. (Permanece inédito por aqui o livro de estréia de Self, The quantity theory of insanity, “A teoria quantitativa da insanidade”, de contos, que considero seu melhor trabalho.)

Apesar da insistência louvável dos editores, tudo indica que Will Self não bate muito bem com a sensibilidade literária nacional. Será que a sisudez que por aqui costumamos confundir com seriedade nos impede de apreciar o mais alucinado dos herdeiros de Jonathan Swift? Seja como for, é uma pena. Will Self merece uma chance dos leitores, embora não faça literatura para o paladar de qualquer um.

Bem cotado para vir à Flip este ano, quem sabe o homem não apronta algum golpe publicitário que mude sua sorte? Consta que Self abandonou o vício da heróina, que, quando ele era repórter do jornal “Observer”, em 1997, o levou a ser flagrado cheirando no banheiro do avião do primeiro-ministro John Major – e dali para todas as primeiras páginas da imprensa britânica. Mas outros expedientes hão de lhe ocorrer."


 

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