quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Morangos Mofados. Caio Fernando Abreu

"Morangos Mofados", de Caio Fernando Abreu (Contos. Editora Brasiliense; São Paulo; 6º edição; 145 páginas, 1985). Como cenas rápidas de um trailer narrando histórias em busca de um sentido para o mundo. Ao fundo, músicas (rock, blues, tango, MPB) ajudam na composição do cenário, embalado em ritmo quase cinematográfico. Imagens explodem em palavras lapidadas, manifestadas em dores, angustias, fracassos, encontros e desencontros, esperanças, enfim, milhões de sentimentos misturados, costurados em pequenas teias a formar um enorme mosaico de emoções que marcou uma época. E ainda continua a identificar gerações e gerações que se sucedem após o lançamento apoteótico da obra.
 
Dividida em três partes, Morangos Mofados é, sem dúvida, a composição mais conhecida de Caio Fernando Abreu. A primeira parte, intitulada “O Mofo”, narra a queda de valores, dos amores, a solidão, a fragilidade humana, a embriagues, o consumo de drogas, o desespero, o desamor, a dor na forma mais fria e crua. Escrita de forma precisa, quase cirúrgica, Caio vai nos apresentando uma série de personagens anônimos, que ao final se personifica em uma única pessoa: o autor? Ou, quem sabe, até mesmo qualquer um de nós. 

O gosto amargo da derrota, cheirando a mofo, a vômito, a vodca barata, a cigarros. Uma melodia sentimentalmente melancólica ao fundo. Escuridão e desencontros. O gosto da solidão esculpida em delírios da alma. Encravada em labirintos tortuosos e escuros de forma magistral. A sensação é idêntica à saída de uma montanha-russa. 

“Os Morangos”. Aqui, uma paz tranqüilizadora invade de forma mágica a alma das personagens. Como se a existência de um final feliz fosse possível e breve, ou como se a vida fosse menos pesada. O doce levemente ácido do morango fundindo na língua, mostrando um belo dia de sol após uma tempestade. Mas o doce dá espaço para a acidez, transformando pedaços de magias em mágoas e solidão. Enquanto o dente fere o vermelho brilhoso do morango, na boca permanece o gosto azedo do preconceito, do medo, dos sonhos perdidos, das utopias transformadas em contas bancárias. O enjôo natural dos abusos. Dos delírios causados pelo excesso de cocaína.

Histórias envolvendo vagabundos (giramundos), hippies sem destinos, loucos, comunistas, yupes desenfreados, compulsivos, sargentos, preconceitos, estupidez, falta de amor. Dos sonhos de uma geração apodrecendo na latrina comum. Das vidas apodrecendo em latrinas fétidas comuns. A paz tão perto e tão distante que os rápidos movimentos de nossos olhos não conseguem captar. Tampouco poderiam.

“Morangos Mofados”. A terceira parte. Com os olhos fechados, ouço “Let me take you down, ’cause I’m going to Strawberry Fields. Nothing is real and nothing to get hungabout. Strawberry Fields forever.” Como se eu estivesse em um universo paralelo, um refúgio, um abrigo, uma morada longe, mas dentro, do caos urbano. Uma espécie de esconderijo para se abrigar da chuva tóxica, ou dos desatinos do coração. Enquanto imagens explodem diante de nossos olhos cansados, ao fundo, o som dos Beatles vai levemente aumentando, aumentando…

Caio nos deixa com a boca aberta, o livro nas mãos e o pensamento longe, imaginando: E se a vida fosse diferente? Para ler e reler sempre que a saudade – ou a dor – falar mais alto. Os morangos mofados, como estrangeiro em sua terra natal, ou girassóis no inverno enfeitando os pastos da Rússia, ou uma Guerra Santa… O cheiro e o gosto do mofo ultrapassam toda a simbologia poética do morango. (fonte: Eduardohb)


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