“O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse, é uma fábula sobre o jogo como utopia total. Para Hesse, “o Jogo das Contas de Vidro é um jogo que joga com todos os conteúdos e valores da nossa cultura, um pouco como nos tempos áureos das artes um pintor terá brincado com as cores da sua paleta”, como um órgão é tocado (em inglês, “jogado”) por um organista. Acrescentaríamos hoje: como um computador é jogado por um matemático.
Continua Hesse a sua descrição do “Jogo das Contas de Vidro”: “Uma partida podia, por exemplo, partir duma dada configuração astronômica, ou do tema duma fuga de Bach, ou duma frase de Leibniz ou dos Upanishads e, segundo a intenção ou o talento do jogador, prosseguir e desenvolver a ideia condutora por ela evocada ou enriquecer a expressão dessa mesma ideia com a evocação de ideias próximas. Se o principiante era capaz de estabelecer um paralelo, por meio dos símbolos do jogo, entre uma melodia clássica e a fórmula duma lei da Natureza, o conhecedor e o mestre conduziam a partida desde o tema inicial até combinações ilimitadas.”
M. Eigen parte do Jogo das Contas de Vidro de Hesse (que é citado logo no início) para uma partida com o leitor, e acaba por estabelecer um paralelo entre as leis da natureza, que regulam o acaso, e as regras musicais, tanto clássicas, baseadas na harmonia, como modernas, exemplificadas nas séries de Schönberg.”
“Esses meninos que partiram tem para mim, apesar de tudo, alguma coisa de imponente, assim como o anjo rebelde Lúcifer tem certa grandiosidade. Talvez tenham feito uma coisa errada, podemos admitir que cometeram um erro, mas, seja como for, fizeram alguma coisa, realizaram algo, ousaram dar um salto e é preciso coragem para isso. Nós que fomos aplicados, pacientes e ajuizados, não fizemos nada, não demos salto algum.” Hermann Hesse.
A ação de “O Jogo das Contas de Vidro” se situa num tempo intencionalmente indefinido. Esta obra contém, é certo, uma crítica à nossa época. Mas em vão aí se procura a evoca-cão de uma técnica e de uma ordem social, econômica ou biológica novas. Aos olhos de Hermann Hesse, devem-se aos progressos técnicos as duas guerras mundiais, assim como o desenvolvimento dos valores espirituais que caracterizam nosso século.
O plano deste livro é dialético. Baseia-se num raciocínio que poderia ser resumido nos seguintes termos: se é verdade que a causa do trágico erro da civilização moderna é aglomeração, no espírito humano, de noções heterogêneas e a fascinação pelo poder tecnológico limítrofe ao milagre, o que sucederia se, ao contrário, a ciência, o sentido do belo e do bem se fundissem num concerto harmonioso. O humanismo assim expresso não seria nem o do homo faber nem o do homo sapiens."
Hermann Hesse (1877-1962) |
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