NOVAS MANEIRAS DE DECLARAR O QUE É O CASO
Toda arte é abstrata, no sentido de que toda arte se envolve no mundo e nos aspectos abstratos dele para nos apresentar um objeto ou acontecimento que aviva ou ilumina nossa apreensão do mundo. “O mundo é tudo que é o caso”, escreveu Ludwig Wittgenstein, no início de um projeto filosófico que começou como um esforço para descrever logicamente o mundo e terminou com reflexões a respeito da natureza problemática da própria linguagem que devemos usar quando formos descrever o que quer que seja.
O progresso de uma arte da representação para a da abstração de certa
maneira ocorreu paralelamente a essa busca moderna quintessencial por um novo tipo
de verdade. “Tudo que é o caso” inclui a natureza e a sociedade, o ambiente
construído, as estruturas da religião, da arte e da ciência, e todos os maravilhosos
e mundanos atos, pensamentos e emoções, especulações e imaginações que
compreendem uma cultura humana complexa.
A partir dos primeiros anos do século xx, pintores e escultores nas
tradições européias de arte, mais do que em qualquer época desde a Renascença,
buscaram de modo consciente formas radicalmente novas de representar sua
experiência do mundo. Eles se lançaram à criação de uma arte que revelaria
aspectos da realidade que pareciam inacessíveis às técnicas e convenções da
arte figurativa.
A grande e duradoura idéia de que a pintura e a escultura poderiam retratar
a realidade do mundo por meio da imitação iluminadora (mimese), ou da representação
ilusionista de fenômenos naturais, foi de repente posta em dúvida. Muitos
artistas viam a representação figurativa como uma limitação a sua capacidade de
representar as realidades da experiência, incluída a experiência espiritual,
com o tipo de intensidade ou clareza que revelaria sua verdadeira natureza.
Além disso, os artistas sentiram necessidade de levar em consideração
realidades novas então reveladas pela ciência, dinâmicas recentemente
descobertas pela matemática e pela física, novas idéias em psicologia,
desenvolvimentos pós-darwinianos na biologia, na religião e no que se costumava
chamar de “filosofia natural”. Eles estavam sensíveis também à nova política da
social-democracia, do comunismo e da liberdade individual. Estavam conscientes
das grandes mudanças na tecnologia industrial, do início dos vôos tripulados,
do motor a combustão interna, da fotografia e do cinema. As cidades nas quais
viviam estavam numa condição de transformação dinâmica. Tudo isso trouxe como
conseqüências a rejeição das velhas formas de arte que buscavam imitar a
aparência das coisas e a invenção de novas formas que revelariam as relações
ocultas entre as coisas. Objetos são objetos; eles podem ser retratados, mas
representar as relações dinâmicas entre os objetos exigia uma linguagem visual
abstrata.
Isso não significa que os artistas no início do novo século compreendessem
plenamente, ao modo dos teóricos, cientistas e outros especialistas, os
variados desenvolvimentos intelectuais, espirituais e tecnológicos que estavam
ocorrendo. Nem precisavam. Os artistas têm seu próprio trabalho a fazer,
pesquisas intuitivas específicas a realizar. O que havia era que algo de muito
excitante estava no ar e que a palavra novo se aplicava a quase tudo que
estava acontecendo. Ao lado da palavra “moderno”, ela se tornaria uma das
palavras-chaves afirmativas do século, um talismã verbal, tanto para os
artistas como para os críticos. Este livro enfocará aquilo que inúmeros artistas
muito diferentes do século xx, trabalhando em lugares diferentes com diferentes
idéias e intenções, produziram em resposta à grande imposição modernista “Faça
o novo!”.
A originalidade criativa, para os artistas modernos, estava sujeita aos
imperativos de autenticidade: resposta às exigências da vida interior,
engajamento verdadeiro na realidade externa e liberdade de enunciação. Essa
ênfase sobre a experiência individual tornava inevitável que as obras
assumissem muitas formas diferentes e que o que pensavam sobre o significado e
os propósitos da arte fosse correspondentemente diverso. Efetivamente não houve
nenhum “movimento abstrato” enquanto tal, mas muitas manifestações de uma
tendência poderosa da arte moderna para longe da representação de
objetos reconhecíveis no espaço pictórico (não importa em que estilo ou
maneira) e em direção à apresentação da pintura ou da escultura como um
objeto real no espaço real.
Alguns artistas acreditavam que tal objeto poderia mesmo emanar uma espécie
de energia, sensual ou espiritual e ativar o espaço ao seu redor. A disposição
de linhas, os formatos e as cores na tela, ou as formas esculturais
puras no espaço, tendo sido abstraídas da natureza, operavam agora diretamente
sobre o espectador, como faziam os fenômenos naturais da luz, da cor, da
textura e do movimento. Alguns sentiam que a obra de arte abstrata poderia
induzir a um sentimento do numinoso ou do transcendente e ocupar um lugar na
vida espiritual entre os objetos sagrados ou os icones do passado. (páginas 6 e 7)
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