sábado, 31 de março de 2012

Lavoura Arcaica. Raduan Nassar

"Preciso começar pela fantástica estilística de Raduan nesta obra eterna, uma narrativa subjetiva, narrada por André, filho do meio de uma família de camponeses. Este rapaz observa a vida, as tragédias e os sentimentos das pessoas da casa, mas seus olhos se detém em sua irmã mais nova, Ana. Através de um amor livre de qualquer censura ou limite por esta irmã, André vai carpindo o horror analítico das relações humanas, compara o amor a uma aventura diabólica e se pergunta, de forma lírica e desesperada se ir-se embora daquela casa não seria melhor e menos trágico. Fascinante monólogo íntimo onde o leitor se vê um intruso nos sentimentos mais puros que um ser humano pode ter.

Esta novela trágica, merecidamente premiada e lida em todo o mundo, traz a marca indiscutivelmente sublime de Raduan Nassar. Narrar a história da vida, as amarguras, os anseios e as dúvidas que habitam as almas em seus recantos mais escuros, guardados em segredo pela ética e moral que o personagem André, de Lavoura Arcaica, questiona do começo ao fim do livro. São cem páginas para serem lidas sem respirar, não procure parágrafo nem muitos pontos finais, pois André está no fim da linha de seus pensamentos, no meio do nada, no meio do mato, em meio a angustiante e complexo amor.

Lavoura Arcaica é livro obrigatório, faz parte da vida de pessoas em todo o mundo e nosso autor é comparado, de certa forma, a Rimbaud que abandonou sua arte para viver como mercenário na África. Mas nosso Raduan Nassar, embora também tenha desistido de escrever para espanto do mundo literário mundial, gosta de ser visto até os dias atuais como escritor, mesmo tendo se tornado um simples criador de galinhas em sua fazenda no interior de São paulo.

Críticos e analíticos da Literatura se perguntam por que Raduan Nassar teria se afastado da escrita, da manipulação do verbo. Muitos especulam que em Lavoura Arcaica, o escritor tenha deixado expor excessivamente seu interior. Quem lê este livro pode entender alguma coisa do que escrevi aqui. É fascinante, fantástico, uma prova de que o homem, o escritor pode desdobrar barreiras de tabus e preconceitos que nós, simples mortais, jamais imaginaríamos. E toda estória é narrada de forma lírica, trágica, incomum e muito bela. Sem igual. Eu li duas vezes e virou meu consultor de vida nas horas de angústia e questionamentos. Emocionantemente belo. E tragicamente lírico.

Infelizmente Raduan Nassar não soube lidar com o sucesso. Resolveu trocar a estética complexa e desregrada do verbo pela mecânica suave e simples da avicultura. Lamentável.

Obras de Raduan Nassar

Editadas em livro:
Traduções:
Para o espanhol:
  • Labor arcaica (Lavoura arcaica), tradução de Mario Melino, Madri, Alfaguara, 1982
Para o alemão:
  • Mädchen auf dem Weg (Menina a caminho), tradução de Karin von Schweder-Schreiner, Colônia, Kiepenheuer & Witsch, 1982 (in — Schreiner, Kay-Michael (org.) – Zitronengras. Neue brasilianisch Erzähler.
  • Eub Glas Wut (Um copo de cólera), tradução de Ray-Güde Mertin. Frankfurt, Suhrkamp, 1991, 2a. edição em 1991
  • Nachahmung und Eigenwert (A corrente do esforço humano), ensaio, tradução de Ray-Güde Mertin. In —, Meyer-Clason, Curt (org.). Lateinamerikaner über Europa. Frankfurt, Suhrkamp, 1987. Inédito em português.
  • Das Brot des Patriarche (Lavoura Arcaica), tradução de Berthold Zilly, Suhrkamp – Frankfurt, 2004.
Para o francês:
  • Un verre de colère suavi de La maison de la mémoire (Um copo de cólera seguido de Lavoura arcaica). Tradução de Alice Railard, Paris, Gallimard, 1985.
Cinema:
  • Um copo de cólera. Roteiro. Por Aluizio Abranches e Flávio R.
    Tambelllini, 1995.
  • Raduan Nassar

  • Lavoura Arcaica: Direção e roteiro de Luiz Fernando Carvalho, estrelado por Seltom Mello, Leonardo Medeiros, Simone Spoladore, Raul Cortez e Juliana Carneiro da Cunha. Fotografia de Walter Carvalho. Trilha sonora:Marco Antônio Guimarães. Prêmios: Melhor Contribuição Artística – Festival de Montreal – Canadá – 2001; Prêmio Especial de Júri: Festival de Biarritz – 2001; Prêmio do Público: 25a. Mostra BR de Cinema – São Paulo – 2001; Prêmio Ministério da Cultura – Festival Rio-BR 2001.
Há, ainda, um sem número de artigos publicados em jornais e revistas, dissertações universitárias e entrevistas e depoimentos concedidos pelo autor." (Fonte: Lendo.org)

Trechos do livro:


"O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é o nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é, contudo nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo, entretanto prover a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo(...) o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve por nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; (... ) Porque só a justa medida do tempo dá a justa natureza das coisas."

***

"(...)e as pombas do meu quintal eram livres de voar, partiam para longos passeios, mas voltavam sempre, pois não era mais do que amor o que eu tinha e o que eu queria delas, e voavam para bem longe e eu as reconhecia nos telhados das casas mais distantes entre o bando de pombas desafetas que eu acreditava um dia trazer também pro meu quintal imenso (...)"

***

(...) " alguém baixou com suavidade minhas pálpebras, me levando, desprevenido, a consentir num sono ligeiro, eu que não sabia que o amor requer vigília."

***

"Era Ana, era Ana, Pedro, era Ana a minha fome (...) era Ana a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos" (...)

***

"Meu pai sempre dizia que o sofrimento melhora o homem, desenvolvendo seu espírito e aprimorando sua sensibilidade; ele dava a entender que quanto maior fosse a dor tanto ainda o sofrimento cumpria sua função mais nobre; ele parecia acreditar que a resistência de um homem era inesgotável."

***

(...)" toda palavra, sim, é uma semente; entre as coisas humanas que podem nos assombrar, vem a força do verbo em primeiro lugar..."

***

"Solte as rédeas dos teus olhos" ( ...)

***

(...) " não tenho culpa desta chaga, deste cancro, desta ferida, não tenho culpa deste espinho, não tenho culpa desta intumescência, deste inchaço, desta purulência, não tenho culpa deste osso túrgido, e nem da gosma que vaza pelos meus poros, e nem deste visgo recôndito e maldito, não tenho culpa deste sol florido, desta chama alucinada, não tenho culpa do meu delírio."

***
(...) "de mãos dadas, iremos juntos incendiar o mundo!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário