quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O Caçador de Andróides. Philip K. Dick


"Enviado por Adriana em 01/03/2008 00:00:00 (3443 leituras) Notícias do mesmo autor 

O relançamento de “O Caçador de Andróides” é uma ótima chance para se adquirir este que é o romance original do filme de Ridley Scott de 1982, e que andava somente disponível nos sebos, desde a edição da saudosa e falida editora Francisco Alves. É também uma chance de descobrir o autor Phillip K. Dick, escritor de uma inquietante Ficção-Científica que mexe diretamente com questões como o valor de nossa própria identidade. Dick teve suas obras adaptadas em filmes comerciais de maior ou menor sucesso e fidelidade com o texto original, como O Vingador do Futuro, Screamers, Impostor (2002), Dia de Pagamento (2003), Minority Report – A Nova Lei (2002) e, mais recentemente, O Homem Duplo (2006), experiência em animação cuja obra original mais fala sobre o contato do autor com a contracultura das drogas nos anos 60.

“O Caçador de Andróides” é um livro que se passa na Terra em 2021, após uma guerra que devastou o planeta e extinguiu a maioria das espécies. Os humanos mudaram-se para colônias em outros planetas e a Terra se tornou um lugar inóspito, devastado e ameaçado por chuvas de material radioativo. Apesar disso, muitas pessoas ainda vivem aqui, aglomeradas em imensas cidades.

A televisão e o rádio têm uma importância fundamental na vida desses humanos. O programa mais assistido de todos – Buster Friend and his Friendly Friends – é a maneira que o autor encontra para criticar o conteúdo vazio da televisão, e essa crítica nos parece absurdamente familiar. Buster, o apresentador, está no ar vinte e quatro horas por dia, todos os dias, incansável como um andróide. Seus convidados são atrizes e atores que jamais fizeram qualquer filme, novela ou o que o valha, mas que sempre estão prontos a comentar os assuntos mais importantes. Para a maioria das pessoas, a opinião deles vale alguma coisa, quando tudo indica que não deveria ser assim. No fundo, o que vemos é um amontoado dos nossos big brothers transportados para um romance de ficção científica escrito décadas atrás. E isso prova a permanência e a força crítica do texto de Dick.

Além da televisão, os humanos dispõem de um aparelho capaz de controlar o ânimo das pessoas. Isso significa que cada um simplesmente escolhe se quer ou não acordar disposto, ou estar pronto para o sexo, ou se deseja ou não ir trabalhar, por exemplo. Tudo isso somente apertando um botão. É interessante que logo no primeiro capítulo o autor explora com brilhantismo, através de um diálogo mordaz, cheio de subentendidos, os efeitos que isso pode provocar nas pessoas. Acabamos por rir do absurdo que é ter a habilidade de controlar nossas próprias emoções.

O personagem principal da história é Rick Deckard, habitante de São Francisco. Deckard é um caçador de recompensas que trabalha para a polícia e que tem por função encontrar e “retirar” os andróides rebeldes que, disfarçados de humanos, fugiram das colônias e vieram para a Terra. Ele acaba por sair de uma vida medíocre como funcionário público, de um casamento insignificante, para se envolver na caçada aos piores andróides de que se tem notícia, além de ter que lidar com a corporação trans-planetária que os criou e com seus próprios problemas financeiros, matrimoniais e identitários.

A personalidade de Deckard é bem construída e crível. No princípio ele é apenas aquele caçador de recompensas que vê os andróides como o mal absoluto. No decorrer da história, no entanto, ele passa a se questionar sobre a validade de seus argumentos. E por fim acabará tendo mais desprezo por alguns humanos do que por determinados andróides. Antes do fim, na verdade, estará mesmo se questionando sobre sua própria identidade enquanto ser humano. E esse desenvolvimento é trabalhado de tal maneira que acreditamos nele. Graças ao fato de Rick ser um homem prático e sensato, com uma visão de mundo tão racional, seu desenvolvimento se torna verossímil, aceitável, o que nos leva a compartilhar os seus dramas e entender as suas dúvidas e sofrimentos. É essa verossimilhança que faz o seu drama ter tanta força e ser tão comovente.

Quanto à estrutura mesma do romance, podemos dizer que ele é bem construído e estruturado. Dick inicia o livro com um capítulo, de certa maneira, tragicômico, construído em cima de um diálogo inteligente e de uma crítica mordaz. Antes de terminar de lê-lo por completo já estamos presos à leitura, já queremos saber os porquês e comos do espaço-tempo da narrativa. E isso nos vem logo em seguida. Então, depois de nos localizar e dar as devidas explicações, o autor nos envolve em uma trama, cheia de altos e baixos, repleta de reviravoltas, que nos deixa na ponta da cadeira. O texto, apresentando as inúmeras possibilidades de fracasso de Deckard, cria no leitor a expectativa de que o caçador de andróides irá falhar mesmo antes de iniciar a sua caçada. Então, faz Rick superar todas as dificuldades para depois capturá-lo em uma armadilha, limitando todas as suas possibilidades de ação e, enfim, num átimo, mostra como o personagem escapa da complexa situação em que se meteu. Somente este trecho do livro, que se estende pelos capítulos quatro e cinco, já vale toda a história. É muito divertido e emocionante.

Mas não é “somente” a isso que se resume o livro de Dick. O autor usa a ficção científica para levantar uma série de questionamentos de ordem social e humana. As relações entre os humanos, a relação dos homens com as máquinas, o avanço irrefreável da tecnologia, a relação do homem com a natureza e com os animais e a própria questão identitária do homem enquanto ser humano. Tudo isso é questionado, criticado e discutido. E melhor: feito dentro da estrutura do romance, o que nos leva a uma leitura agradável e instigante, da qual não conseguimos nos desprender.

Por fim, basta dizer que os fãs do filme devem estar prevenidos, entretanto, de que para questões de adaptação e transposição de mídias, certas coisas foram bastante mudadas, independente das versões de produtor ou diretor: só se pra se ter uma idéia, a climática perseguição entre o replicante Roy Batty e Rick Deckard simplesmente não existe no livro. Isto por que a trama original e seus questionamentos vão além do que é demonstrado no filme: dado momento, a questão se o próprio Deckard é ou não um ser humano ou um replicante é bem explorada, e esse tipo de questionamento vai-se história afora.

Isso não desmerece o filme como adaptação, entretanto. Ao filmar a trama mais como se fosse um policial noir no futuro, o filme é tido como uma das obras referenciais para o início da Ficção-Científica cyberpunk, enquanto o livro tem um pé mais nos anos 60-70: ambas as versões podem ser vistas dentro de seu contexto e representação das épocas em que foram produzidas.



Dados Técnicos
Livro:
O CAÇADOR DE ANDRÓIDES
Autor: Philip K. Dick
Editora: Rocco
Tradução: Ryta Vinagre
Páginas: 256
Formato: 13 x 20

Notas (de 1 a 6)
- Trama:
6
- Texto: 6
- Narrativa: 6
Nota Final: 6" (Fonte: Rede RPG.)

 

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