quarta-feira, 8 de junho de 2011

Socialismos Utópicos. Jean-Christian Petitfils

Durante este rápido exame histórico dos socialismos utópicos, da Antiguidade até nossos dias, procuramos descrever as grandes constantes dessa corrente de pensamento original, que parece conhecer um novo florescimento a cada grande crise do espírito, como se as agitações do momento incitassem os homens a buscar nos sonhos uma desforra da realidade: crise da cidade grega, crise do Renascimento, crise da consciência européia, crise da sociedade industrial, crise, enfim, da sociedade contemporânea.
No conjunto, essas constantes reencontram-se nas críticas que foram feitas pelos adversários do utopismo. A primeira, é de ter uma concepção racionalista da verdade que se deve impor por si mesma e triunfar sem problemas sobre o erro, como se em matéria social pudesse haver uma única resposta a todos os problemas que surgem. A segunda crítica é o conhecimento imperfeito da natureza humana e da extraordinária diversidade da vida. Daí a tendência dos teóricos a quererem tudo antecipadamente, a quererem prender os seres humanos em limites rígidos e tratá-los como simples marionetes, sob pretexto de criar um homem novo, pacífico, altruísta, econômico, trabalhador e dedicado à coletividade. A terceira crítica feita aos utopistas é de se inclinarem a uma atitude contemplativa, ou pelo menos de levarem, como disse Jean-Marie Domenach, “os espíritos generosos a negligenciar os obstáculos, os inimigos e os meios de combatê-los”. Pretendendo rejeitar tanto o caminho revolucionário como o caminho reformista, não corre o socialismo o risco de condenar-se à impotência? É certo que poderíamos demonstrar o papel criador do utopismo. A história fez nascer as utopias, mas estas fazem, por vezes, a história.
No nível teleológico, é preciso reconhecer que os pontos de convergência são menos numerosos. Cada modelo conserva sua originalidade própria, muito embora se inspire por vezes em doutrinas anteriores. Como poderia ser de outro modo, se a utopia surge muito mais como uma resposta pessoal às inquietações ou às angústias de uma época do que como uma resposta coletiva de um grupo de cidadãos? Também as soluções variam com o caráter dos indivíduos, indo do modelo espartano à utopia taitiana, do modelo estatizado e robotizado ao sonho de uma sociedade libertária e auto- administrada. Um grande número de utopias, entretanto, se inscreve numa visão metafísica do universo e busca, por meio de uma nova mística ou de um elo religioso reforçado, ligar a cidade terrestre à “cidade de Deus”.
Em relação aos séculos passados, nossa época parece marcar uma modificação bastante profunda nos objetivos das utopias sociais. Aquilo que apenas se ousava sonhar, antigamente, tornou-se uma realidade aflitivamente banal. Produzir objetos comuns em grande série, reduzir o tempo de trabalho em proveito do lazer, melhorar a “qualidade de vida”, tudo isso tornou-se possível graças ao progresso das ciências e das técnicas. Somente que, ao se concretizar, o sonho parece ter perdido seu sabor. Advém então o tempo das incertezas. Em nossos dias, os utopistas evitam dar-nos a visão de um futuro maravilhoso. Trata-se, em geral, de conter o crescimento, limitar os efeitos do que se chamou de “choque do futuro”. O discurso utópico fala menos, hoje, de libertação, de abundância ou simplesmente de felicidade do que de poluição, de ecologia, de “socialismo de sobrevivência”, como se o progresso fulgurante da humanidade, realizado desde há alguns anos, tivesse acabado por assustar as imaginações mais audaciosas. Há um tom novo, ousado, pessimista, que não encontrávamos no tempo dos pioneiros do socialismo. “As utopias são realizáveis”, já dizia Berdiaeff, “a vida caminha com as utopias. E talvez comece um novo século, um século onde os intelectuais e as classes cultas sonharão com os meios de evitar as utopias e de retornar a uma sociedade não-utópica, menos ‘perfeita e mais livre’.”
A atual proliferação das contra-utopias, na linha de Wells (Herbert George Wells) e George Orwell, descrevendo o futuro em termos apocalípticos, não será um indício precursor desse novo século profetizado pelo pensador russo? O interesse que se volta a evidenciar, hoje, pelos socialismos utópicos não anunciaria simplesmente o desaparecimento dessa forma de pensamento? Seria temerário — para não dizermos utópico! — acreditar nisso. É próprio do homem seu estado de perpétua insatisfação, que sem dúvida sempre o levará, pela magia do encantamento onírico, a romper as duras barreiras da realidade, a fim de sonhar mais livremente com a realização, na terra, dos nobres ideais de paz, justiça, igualdade e fraternidade. Tanto isso é exato que ele conserva, no mais profundo de seu coração, a doce nostalgia dos paraísos perdidos. (Socialismos Utópicos, p.181/183)

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