9ª Edição, Cotia-SP, Ateliê Editorial, 66 páginas, R$21,00.
Esclarecedor. Didático. Um livro para quem diz que não gosta de poesia, ao invés de admitir que não a entende. E um livro também para quem gosta de ler poesia e/ou para quem tem a coragem de produzir poemas. Para os primeiros, este livro é como uma lanterna de 500 watts na escuridão; para os segundos, uma ferramenta insubstituível. Em apenas 66 páginas, numa linguagem acessível e direta, Décio Pignatari fala sobre um assunto que ele domina como poucos. Segundo o autor, a poesia não pode ser lida como a prosa. É um grande equívoco em que o leitor tropeça ao culpar o poeta ou sua poesia, quando há apenas erro de leitura. Poesia e prosa pertencem a “planos” distintos. A prosa prima pelos significantes, “nível de competência”, enquanto a poesia pelo significado, “nível de desempenho” (p.12). “Para o poeta, mergulhar na vida e mergulhar na linguagem é (quase) a mesma coisa. Ele vive o conflito signo vs. coisa. Sabe (isto é, sente o sabor) que a palavra “amor” não é o amor — e não se conforma...” (p.11)
Em outro momento, Pignatari vai direto, esclarecendo causa e consequência: “A maioria das pessoas lê poesia como se fosse prosa. A maioria quer “conteúdos” — mas não percebe formas. Em arte, forma e conteúdo não podem ser separados. Perguntava o poeta Yeats: ‘Você pode separar o dançarino da dança?’ Quem se recusa a perceber formas não pode ser artista. Nem fazer arte.” (p.18)
A seguir, as palavras do próprio autor:
“O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e recriando a linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo, O poeta é radical (do latim, radix, radicis = raiz): ele trabalha as raízes da linguagem. Com isso, o mundo da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos. É por isso que um poema parece falar de tudo e de nada, ao mesmo tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria modelos de sensibilidade. É por isso que um poema, sendo um ser concreto de linguagem, parece o mais abstrato dos seres. É por isso que um poema é criação pura — por mais impura que seja. É como uma pessoa, ou como a vida: por melhor que você a explique, a explicação nunca pode substituí-la. É como uma pessoa que diz sempre que quer ser compreendida. Mas o que ela quer mesmo é ser amada.” (p.11/12)
Em “Observações Finais”, p. 61, o autor encerra com dicas simples e claras, sem aquela arrogância tão tradicional de muitos teóricos:
“1) Já pouco se usam poemas de forma fixa: de vez em quando, pinta um soneto. Quanto a módulos fixos, a quadra resiste ou você cria o seu, como o faz João Cabra!. No mais, é o “verso livre”, de comprimento, métrica e ritmo variáveis.
2) Sendo assim — como sempre foi, aliás — saber “cortar” o verso, saber passar de um para o outro, é lance importante.
3) Nos poemas gráfico-espaciais, a tipografia e a caligrafia (quando for o caso) não podem ser desprezadas. Quem se ligar nessa, precisa curtir a fascinante história da escrita e da tipografia.
4) Quanto ao mais, este manualzinho, principalmente em sua parte prática, é algo assim como uma bola de futebol ou uma prancha de surf. Não está nelas o principaI: a graça, a habilidade, a coragem, a signi-ficação — que dependem do talento e do desempenho de você.”
Por fim, algumas belas “ilustrações” do livro:
“Uma coisa é dizer: A chuva cai./Outra é mostrar a chuva caindo:(p. 50)
chuva
chuva
chuva
chuva
chuva
chuva
“Veja como Ronaldo Azeredo sintetizou dinamicamente uma seqüência banal como a descrição da luz solar desaparecendo das ruas da cidade à medida que a tarde cai:
ruaruaruasol
ruaruasolrua
ruasolruarua
solruaruarua
ruaruaruas”
ruaruasolrua
ruasolruarua
solruaruarua
ruaruaruas”
(p.58)
E, para encerrar:
“Estamos dando a você aquilo que é fundamental para a competência poética — mas abrindo para o desempenho criativo, que é tarefa sua.
Muita inibição ao nível do desempenho é provocada pela insegurança ao nível da competência. É nisto que se apóia a censura, de fora e de dentro (autocensura), para impedir que você crie. Vamos reabrir ambas as válvulas.” (p.12)
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