Parto de um jargão que circula nas bocas do povo, mas que deixou de significar uma verdade há muito tempo: “nada mais me surpreende neste mundo!”. Mentira, engano, tolice. Sim. A qualquer momento somos supreendidos. Como agora, depois de ler “Os anões”, de Verônica Stigger. Fosse um filme, este livro, nos Estados Unidos, renderia manchetes apelativas tão comuns, entre os gringos, na revista Time, ou numa Vanity Fair da vida: “Unforgettable!”, “The best book of the year!”.
Este livro me foi sugerido pelo escritor Otto M.. E costumo apreciar e respeitar suas sugestões, pois são excelentes: filmes, músicas, clipes, livros. E, tão logo, recebi a sugestão, encomendei pela internet, com a garantia de que o conseguiria em tempo hábil. Um dia antes da chegada do livro, leio na revista “Aplauso”, a crítica do colunista André “Cardoso” Czarnobai, na página 47, intitulada “Futuro do Pretérito”: “... Em suma: se ainda não representa o futuro do livro em sua mais profunda essência, pelo menos “Os anões” é, na pior das hipóteses, um movimento muito inteligente nessa direção.”
“Os anões” revoluciona, de certa forma, em vários aspectos, não só na forma externa do livro (negro, compacto, sem costura, páginas lustrosas e duras como plástico), mas pelo conteúdo. Mistura de “non-sense” e “realismo-mágico” ou “fantástico”, como aqueles filmes curta-metragem da série de tevê americana “the twilight zone”. O absurdo encarado com espantosa naturalidade, para nos incomodar mesmo, para nos fazer mudar a posição do traseiro no sofá ou na poltrona, coçar a cabeça, blasfemar, soltar palavrão. Para nos forçar a dizer desnecessariamente: “Meu Deus, que loucura!”. Ou então, confirmarmos a teoria científica dos “mundos paralelos”, os quais existiriam cotidiana e simultaneamente ao nosso, e, com provável certeza, estão nas nossas mentes. Nas cabeças maravilhosas dos escritores, principalmente desses tachados de malucos e perigosos, como “Verônica Stigger”.
Parabéns à Editora CosacNaify, que viu no conteúdo contemporâneo e ousado de “Os anões” a necessidade de uma encadernação à altura do trabalho de Verônica Stigger. Não acreditam? Acham que estou exagerando, ou fazendo markenting para a editora? Então leiam a crítica de Czarnobai. As palavras em maiúsculo são do próprio Czarnobai.
“Futuro do Pretérito. Por André “Cardoso” Czarnobai.
Coisa de três anos atrás, TODA vez que era convidado a opinar sobre o FUTURO do LIVRO em qualquer FÓRUM que aparecesse pela frente, apresentava sempre a mais FUNESTA dos ESTIMATIVAS: o livro vai ACABAR, O Livro vaI FENECER. Isso nem está mais em questão. O que está em questão é QUANDO isso vai acontecer. Cinquenta anos de SOBREVIDA, meu prazo mais OTIMISTA. Logo, diante dos números cada vez mais CALAMITOSOS que emanavam de pesquisas sobre a leitura na JUVENTUDE, senti o ABRAÇO fatal: o livro não deve durar nem outros VINTE.
Pano rápido. De volta para o FUTURO.
Apoiado numa série de fatores, fatos e impressões que não cabem aqui serem ESMIUÇADOS, hoje já não mais ADMIRO (suporto, endosso ou defendo) a ideia de que o livro vá EXPIRAR algum dia. Todavia, não mais creio que seguirá SENDO o que TEM SIDO até aqui. Para seguir RELEVANTE, o livro precisará MUDAR. Nem tanto no nível da linguagem ou das mensagens — como se debatia no início TAMPOUCO nos formatos em que será distribuído e consumido — como se debate agora. O que o LIVRO precisa renegociar fundamentalmente é a MANEIRA como as pessoas o percebem e a RELAÇÃO que elas têm com ele. Mas COMO fazer isso? Por onde começar? Nesse momento de incerteza, teorias, escolas e correntes de pensamento EMERGEM de todos os lados. Cada uma aponta numa direção. TODAS incentivam EXPERIMENTOS. Alguns dão certo. Outros, não. Nenhum deles é definitivo, nenhum deles é em VÃO.
Na minha ÓTICA, o livro IMPRESSO deve se ADAPTAR às forças de mercado e avanços tecnológicos, embarcando na VIBE de OBJETIFICAÇÃO que impera em nossos tempos. Sendo mais direto: o livro precisa reforçar seu caráter de OBJETO, algo que é desejável não apenas pelo seu CONTEÚDO, mas também pela sua FORMA.
Pois parece que foi EXATAMENTE isso que percebeu Emilio Fraia, coordenador editorial de Os Anões, terceiro e mais ousado livro de Verônica Stigger (CosacNaif, 2010). Nunca o futuro do IMPRESSO me pareceu tão POSSÍVEL Ainda que seja evidentemente um LIVRO, a narrativa que este VOLUME encerra se estende muito ALÉM do texto, incluindo aspectos VISUAIS e TÁTEIS na equação.
REPOUSANDO quietinho sobre a mesa, protegido pela capa preta LUSTROSA, Os Anões parece um daqueles romances de FÔLEGO por conta de sua aparência BRUTA de CALHAMAÇO. O peso FORMIDÁVEL também prega esta PECINHA ASTUTA nos sentidos: é IMPOSSíVEL não concluir de que se trata de VOLUME de 500 páginas quando o tomamos nas mãos pela primeira vez.
Ao FOLHEÁ-LO, contudo, logo se constata o ENGANO — a primeira de uma sequência de pequenas estranhezas contidas nesta perturbadora jornada pela LÉPIDA e ARISCA prosa de Veronica. Tudo acontece muito RÁPIDO, tudo dá muito ERRADO, e quando a gente finalmente consegue se recompor das últimas linhas e vira a página com PRESSA, o que aparece do outro lado é um quadrado NEGRO, de bordas ROLIÇAS, sozinho num fundo branco, sem nenhuma explicação.
Entre um quadrado e outro, os NANICOS de Veronica percorrem os mais SORUMBÁTICOS porões da imaginação, chutando com força as CANELAS confortáveis de quem se atreve a acompanhá-los. ÜBBER-violência, cilício severo e CINTADA NA CARA são atmosferas recorrentes no livro, conferindo um tom NUBLADO e DENSO à prosa breve, direta e quase coloquial da autora. Ato de GOLPEAR face humana com FIVELA, todavia, não aparece em nenhuma das histórias do livro. Mesmo assim, prepare-se para sentir aquela dor no FIGO ao longo da leitura: eis um Iivro que sabe MACHUCAR.
MÁCULA mais grave no FASCÍCULO: a poesia baseada em EXCERTOS de anúncios classificados de apartamentos. Entendo, é claro, o evidente CUTUQUE que a Veronica crítica de arte oferece ao CONTEMPORÂNEO nestes (e em vários outros) momentos do livro, mas NESTE em específiCo, achei que NHÉ. Não funcionou tão bem. Em outros, porém, sucesso e PLENITUDE sem fim.
Em suma: se ainda não representa o FUTURO DO LIVRO em sua mais profunda essência, pelo menos Os Anões é, na PIOR das hipóteses, um movimento muito inteligente nessa direção.” (revista Aplauso, nº 107, p. 47)
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