sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Necronomicon - O Livro dos Mortos

Não existe lenda mais bizarra que a lenda do livro escrito a sangue que continha em suas páginas segredos diversos para realização dos mais sombrios desejos como imortalidade, geração de filhos, trazer a vida pessoas que já se foram, dentre outros. Mas tudo isso a que preço?

Vale lembrar que tudo que não tem ou faz parte do ciclo natural de vida é considerado sobrenatural e pode ter causas muito assustadoras para quem se valer desses privilégios.
 
O Necronomicon (literalmente: "Livro de Nomes Mortos") foi escrito em Damasco, por volta de 730 d.C., sendo sua autoria atribuída a Abdul Alhazred. Ao contrário do que se pensa vulgarmente, não se trata de um grimoire (ou grimório), livro mágico de encantos, mas de um livro de histórias. Escrito em sete volumes no original, chegou à cerca de 900 páginas na edição latina, e seu conteúdo dizia respeito à coisas antigas, supostas civilizações anteriores à raça humana, numa narrativa obscura e quase ilegível.

Abdul Alhazred nasceu em Sanaa, no Iêmen, tendo feito várias viagens em busca de conhecimento, dominando vários idiomas, vagou da Alexandria ao Pundjab, na Índia, e passou muitos anos no deserto despovoado ao sul da Arábia. Embora conhecido como árabe louco, nada há que comprove sua insanidade, muito embora sua prosa não fosse de modo algum coerente. Alhazred era um excelente tradutor, dedicando-se a explorar os segredos do passado, mas também era um poeta, o que lhe permitia certas extravagâncias na hora de escrever, além do caráter dispersivo. Talvez isso explique a alinearidade do Necronomicon.

Alhazred era familiarizado com os trabalhos do filósofo grego Proclos(410-485 d.C.), sendo considerado, como ele, um neo-platônico. Seu conhecimento, como o de seu mestre, inclui matemática, filosofia, astronomia, além de ciências metafísicas baseadas na cultura pré-cristã de egípcios e caldeus. Durante seus estudos, costumava acender um incenso feito da mistura de diversas ervas, entre elas o ópio e o haxixe. As emanações desse incenso, segundo diziam, ajudavam a "clarear" o passado.

Ao que se sabe, não existe mais nem um manuscrito em árabe do Necronomicon, o xá da antiga Pérsia(atual Irã) levou à cabo uma busca na Índia, no Egito e na biblioteca da cidade santa de Mecca, mas nada encontrou. No entanto, uma tradução latina foi feita em 1487 por um padre dominicano chamado Olaus Wormius, alemão de nascença, que era secretário do inquisidor-mor da Espanha, Miguel Tomás de Torquemada, e é provável que tenha obtido o manuscrito durante a perseguição aos mouros. O Necronomicon deve ter exercido grande fascínio sobre Wormius, para levá-1o a arriscar -se em traduzí-lo numa época e lugar tão perigosos. Ele enviou uma cópia do livro a João Tritêmius, abade de Spanhein, acompanhada de uma carta onde se lia uma versão blasfema de certas passagens do Livro de Gênese. Sua ousadia custou-lhe caro. Wormius foi acusado de heresia e queimado numa fogueira, juntamente com todas as cópias de sua tradução. Mas, segundo especulações, ao menos uma cópia teria sido conservada, estando guardada na biblioteca do Vaticano.

O Necronomicon de Alhazred trata de especulações antediluvianas, sendo sua fonte provável o Gênese bíblico e o Livro de Enoch, além de mitologia antiga. Segundo Alhazred, muitas espécies além do gênero humano tinham habitado a Terra, vindas de outras esferas e do além. Alhazred compartilhou da visão de neoplatoniatas que acreditavam serem as estrelas semelhantes ao nosso Sol, cada qual com seus próprios planetas e formas de vida, mas elaborou essa visão introduzindo elementos metafísicos e uma hierarquia cósmica de evolução espiritual. Aos seres das estrelas, ele denominou "antigos". Eram sobre-humanos e podiam ser invocados, desencadeando poderes terríveis sobre a Terra.

Alhazred não inventou a história do Necronomicon. Ele elaborou antigas tradições, inclusive o Apocalipse de São João, apenas invertendo o final (a Besta triunfa, e seu número é 666). A idéia de que os "antigos" acasalaram com os humanos, buscando passar seus conhecimentos para o nosso plano de existência e gerando uma raça de aberrações, casa com a tradição judaica dos nephilins (os gigantes de Gênese 6.2-6.5). A palavra árabe para "antigo" deriva do verbo hebreu para "cair"(os anjos caídos). Mas o Gênese é só um fragmento de uma tradição maior, que se completa, em parte, no Livro de Enoch. De acordo com esta fonte, um grupo de anjos guardiões enviados para observar a Terra viu as filhas dos homens e as desejou. Duzentos desses guardiões formaram um pacto, saltando dos ares e tomando as mulheres humanas como suas esposas, gerando uma raça de gigantes que logo se pôs a pecar contra a natureza, caçando aves, répteis e peixes e todas as bestas da Terra, comendo a carne e bebendo o sangue uns dos outros. Os anjos caídos lhes ensinaram como fazer jóias, armas de guerra, cosméticos, encantos, astrologia e outros segredos. O dilúvio seria a consequência das relações entre os anjos e os humanos.

É inegável que o sistema enochiano de Dee e Kelley estava diretamente inspirado em partes do Necronomicon, onde há técnicas de Alhazred para a invocação dos "antigos". Embora o Necronomicon fosse basicamente um livro de histórias, haviam algums detalhes práticos e fórmulas que funcionavam quase como um guia passo a passo para o iniciado entrar em contato com os seres sobre-humanos. Dee e Kelley tiveram que preencher muitas lacunas, sendo a linguagem enochiana um híbrido que reúne, basicamente, um alfabeto de 21 letras, dezenove "chaves" (invocações) em linguagem enochiana, mais de l00 quadros mágicos compostos de até 240 caracteres além de grande quantidade de conhecimento oculto. É improvável que esse material lhes tivesse sido realmente passado pelo arcanjo Uriel

ONDE O NECRONOMICON PODE SER ENCONTRADO:

Em nenhum lugar, com certeza, seria a resposta mais simples Entre 1933-1938, desapareceram algumas cópias conhecidas do Necronomicon. Não é segredo que Adolf Hitler e pessoas do alto escalão de seu governo tinham interesse em ocultismo, e provavelmente apoderaram-se dessas cópias.

Há muitas fraudes modernas, mas são facilmente desmascaradas por uma total falta de imaginação e inteligência, qualidades que Alhazred possuía em abundância. Mas há boatos de um esconderijo dos tempos da 2º Guerra, que estaria localizado em Osterhorn, uma área montanhosa próxima à Salzburgo, onde haveria uma cópia do manuscrito original, escrita pelos nazistas e feita com a pele e o sangue de prisioneiros de campos de concentração.

Qual o motivo para o fascínio em torno do Necronomicon? Afinal, é apenas um livro, talvez esperemos muito dele e ele não possa mais do que despejar um grão de mistério no abismo de nossos anseios pelo desconhecido. Mas é um mistério ao qual as pessoas aspiram, o mistério da criação, o mistério do bem e do mal, o mistério da vida e da morte, o mistério das coisas que se foram. Nós sabemos que o Universo é imenso, além de qualquer limite da nossa imaginação, mas o que há lá fora? E o que há dentro de cada um de nós? Seria o Universo um espelho para nós mesmos? Seriam os "antigos" apenas uma parte mais profunda de nosso subconsciente, o ego definitivo, o mais autêntico "eu sou", que no entanto participa da natureza divina?

Existe também o filme Necronomicon onde se retrata com mais modernismo e impressionismo o título.

Abaixo mostro algumas páginas do Necronomicon original extraídas de diversos sites de pesquisa.
Cena do Filme - Uma Noite Alucinante 3


Símbolo 



Dee e Kelley









Fonte: Sobrenatural.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O livro de areia. Jorge Luis Borges

livro de areia

Por Rafael Menezes do Blog Espanadores.

 (…) Também a porta da casa estava meio aberta. Uma rajada de chuva açoitou meu rosto e entrei.

Dentro haviam tirado as lajotas e pisei num capim desgrenhado. Um cheiro doce e nauseabundo penetrava na casa. À esquerda ou à direita, não sei muito bem, tropecei numa rampa de pedra. Subi apressadamente. Quase sem refletir, fiz girar a chave da luz.

A sala de jantar e a biblioteca de minhas lembranças eram agora, derrubada a parede divisória, num único grande cômodo desguarnecido, com um ou outro móvel. Não tentarei descrevê-las, porque não estou seguro de tê-las visto, apesar de impiedosa luz branca. Vou me explicar. Para ver uma coisa, é preciso compreendê-la. A poltrona pressupõem o corpo humano, suas articulações e partes; as tesouras, o ato de cortar. Que dizer de uma lâmpada ou veículo? O selvagem não pode perceber Bíblia do missionário; o passageiro não vê o mesmo cordame que os homens de bordo. Se víssemos realmente o universo, talvez o entendêssemos.

Nenhuma das formas insensatas que aquela noite me deparou correspondia à figura humana ou a algum uso concebível. Senti repulsa e terror. Num dos cantos descobri uma escada vertical, que dava para outro andar. Entre os largos lanços de ferro, que não passariam de dez, havia vãos irregulares. Aquelas escada, que postulava mãos e pés, era compreensível e de algum modo de aliviou. Apaguei a luz e aguardei algum tempo no escuro. Não ouvi o menor som, mas a presença das coisas incompreensíveis perturbava-me. Afinal me decidi.

Trecho de There are more things

Ao ver o doodle do Google comemorando o 112º aniversário do escritor argentino, talvez o maior de todos, me ocorreram duas coisas (ou talvez três): que o 112 não é exatamente algo a se comemorar, apesar que arte é realmente bonita apesar que nunca imaginei o mundo de Borges como algo colorido à la Asterios Polyp; que também há algum tempo ignoro Borges, não no sentido de que nunca o li, mas no sentido que conforme ele mesmo escreve “aprender é recordar, ignorar é de fato ter esquecido”. (Noite dos dons, Livro de Areia), que segundo ele é uma citação de Bacon, mas como nunca li Bacon para mim é um citação de Borges, citando Bacon e nós acreditamos em Borges (que perigo!). Enfim, o fato é que o escritor argentino é um dos escritores do meu coração, e o fato de tê-lo esquecido nesse meio tempo é motivada por razões irônicas, pois ele só escreveu ficção por meio de contos e eu esqueço muito rapidamente de contos. Mas nessas situações, você vê uma dupla ironia, pois o fato de esquecer sempre me faz voltar aos meus livros de contos preferidos e relê-los como quem degusta um novo sabor. Então voltar a Histórias Extraordinárias, Boca do Inferno, Contos de Aprendiz, Histórias Abensonhadas e meu querido Aleph são tarefas  recorrentes.

Sendo assim esse 24 de Agosto me dá o prazer de degustar e recordar/aprender Jorge Luís Borges novamente …
Jorge-doodle
E esse sou eu sentado na mesma cama que agora estou parando de escrever sobre Borges e abortando a ideia, ao perceber não só como é difícil a tarefa, como também Jorge Luís Borges me assusta muito para escrever qualquer coisa sobre. Logicamente há contos que são resumidos como a Noite dos dons, em que o narrador vai experimentar tanto à beleza do amor como o medo da morte, mas em sua grande maioria os contos de Borges são labirintos em que não dá para resumir, muito menos para se achar o começo e o fim em algumas de suas alegorias. Borges é uma leitura que mais que tudo, deve ser sentida e se há uma resumo de algo, é sensação de estranhamento que o texto deixa para trás e para frente, assim como o personagem se sente impossível de descrever o que vê no excerto. Esse é Jorge Luís Borges.

Minha tarefa abortada já era a segunda tentativa (isso é… que eu me lembro), pois tinha pensado em fazer uma resenha do Aleph muito tempo antes e esse sim , um tempo que já está esquecido nos confins da memória ao contrário deste 24 de agosto bem datado, mas igualmente perdido no tempo. Essa é terceira vez e o abismo parece tão grande quanto a primeira. Agora imagino que se o escritor estivesse comigo aqui, ele questionaria a veracidade destes tempos por mim citados: Esse distante, este 24 de agosto, e este 24 de Abril (uma coincidência?) existiria de fato, sendo que é o mesmo lugar, a mesma pessoa, o mesmo intuito, o mesmo medo tudo isso no mesmo espaço, e o tempo, o gêmeo maldito, é algo tão futuro ao leitor-por-vir. Esse é pensamento labiríntico de Jorge Luís Borges, que ainda iria mias longe ao pressupor que todas as terças essa mesma repetição de ações, não levaria este momento ao infinito sem começo ou fim. E esse seria o Borges Master.

Alias encontrar o Borges não seria uma loucura, ele mesmo faz isso no começo deste livro em análise, em O Outro Borges-jovem encontra o Borges-velho num canto da cidade e eles travam  um belo diálogo sobre a que está por vir, e o que o outro espera. E como isso acontece? Não é necessário saber, não existe explicação, somente a ciência de que o tempo e o espaço são completamente ignorados nos contos, assim como essa resenha só começa a falar do livro em sua metade e nem sabe se termina falando do mesmo.

Livro de Areia, é o último livro de contos de Jorge Luís Borges publicado pela primeira vez em 1975. Famoso pelos contos fantásticos, Borges no entanto publicou mais poesia e ensaios do que coletâneas de Contos, além de diversas parcerias com Adolfo Bioy Casares e de ter, segundo seus estudiosos, três livros de difícil classificação: História Universal da Infâmia (reescrituras de textos de outros autores) , Livro dos seres imaginários (Um enciclopédia de seres que não existem) e Atlas (Um diário de viagem à la Borges). Dos contos mesmo são seis reuniões e O Livro de Areia é o último, sendo que ele já estava praticamente cego ao terminar este. A narrativa fantástica de Borges no entanto é diferente de qualquer uma que você tenha visto, pois o fantástico de Borges é quase sempre algo inexplicável, inenarrável, que pressupõem o infinito e o impossível.

No Livro de areia temos História alegórica sobre a destruição do Conhecimento (O congresso, aliás sua obra de ficção mais longa: 14 páginas!), parte da História escondida do mundo (a seita dos trinta), a descoberta do amor com um ser fantástico (Ulrica) e até destoando um pouco, A noite dos dons, que tem uma história-dentro-da-história-dentro-da-história mas ainda assim é algo mais dentro dos padrões narrativos normais. Essas são algumas das histórias mais simples da coletânea e é engraçado observar a habilidade em se criar o estranhamento até num trecho simples, como o narrador seguindo Ulrica para o hotel onde consumariam seu amor:

Estávamos de repente diante da pousada. Não me surpreendeu que se chamasse, como a outra, Northern Inn.
Do alto da escadaria Ulrica gritou para mim:
- Ouviu o lobo? Já não existem lobos na Inglaterra. Ande logo.
Ao subir ao andar de cima, notei que as paredes estavam empapeladas à maneira de William Morris, num vermelho muito profundo com frutos e pássaros entrelaçados. Ulrica entrou primeiro. O aposento escuro era baixo, com um teto de duas águas. A espada cama duplicava vagamente num cristal, e o mogno polido me lembrou o espelho da Escritura.

Essa história vai aos poucos colocando o mito de Beowoulf entre as personagens, e, mais que isso, parece estar trazendo esta época antiga à narrativa. Essas descrições, além de belas, acrescentam a tensão pelo significado que te instiga a ler Borges, o que dizer então das radicais como a o encontro consigo mesmo (O outro); ou o diálogo entre um rei e um poeta que encontram o verso máximo da Beleza e sofrem por isso (O espelho e a máscara), ou mesmo  o ser que carrega uma pedra de Odin com um lado só (O disco). Mas o conto definitivo para mim, aquele que melhor resume a obra do escritor argentino é o último do livro, o último da obra e genial, assim como o Division Bell do Pink Floyd ou o Farewell de Drummond encera um obra perfeita com o que de melhor: "O livro de areia", que dá titulo ao livro é um livro que, assim como o deserto, não tem começo e não tem fim, é impossível chegar a primeira página e a última (???????????????) Como isso é possível Rafael? Leia e você verá como essa breve e intrigante história, fecha aquilo que Borges não teme, nem duvida que exista: O infinito.

Para finalizar há mais uma característica que a literatura fantástica de Borges tem e que muitos escritores latino americanos bebem ainda hoje: A metalinguagem. Mais do que citações inteligentes como Vila Mattas & Bolaño, a metalinguagem de Borges está no próprio texto, bem claro como no Congresso ou o Livro de Areia, símbolos puros dessa fixação com a linguagem. Ao ler o livro de cabo a rabo você percebe como a obsessão por criar uma narrativa que se remeta a ela própria é mais pura neste livro e aí você percebe isso em todos. E fazendo uma digressão, uma das coisas que mais me assombraram em Borges é o fato de ele ter ficado cego progressivamente durante a vida. Um motivo de admiração que remete a antes de lê-lo, pois já conhecia sua fama, mas também de espanto, pois eu conseguiria me imaginar tomando uma Guinness com Joyce, ou discutindo com Saramago, mas nunca consegui imaginar Borges, pois para mim ele é impossível num aspecto mais alegórico e pessoal. Mas aí, as ironias veem e me mostraram algo recentemente: o fato da cegueira progressiva de Borges talvez, segundo seus maiores estudiosos, tenha sido a gênese de sua genialidade simbólica com a palavra, em criar novas imagens somente com as palavras. É um pensamento interessante pensar que um dos maiores escritores do mundo, tenha se tornado ainda mais genial em função da cegueira… mas não menos aterrorizante. Por isso e por mais um pouco, que não vai dar para escrever Borges, neste post bem passional. É um dos grandes escritores de todo o sempre.

A obra está sendo reeditada pela Companhia das Letras e este exemplar específico está sendo o carro chefe da coleção ibero-americana da Folha de S.Paulo, que independendo de seu ponto de vista sócio-político sobre o o jornal que organiza essa coleção, é uma ótima oportunidade de se conhecer os nossos irmãos de língua e algum dos mais novos escritores brasileiros. Mas também Borges pode ser uma faca de dois gumes, então se você está estranhando o mundo borgiano, dê uma lida no post.

- Mas eu já ceguei até aqui?

Eu sei, mas a internet talvez seja o que em 1975 o leitor achou que seria impossível. Algo sem começo, sem fim no espaço e no tempo (quando eu escrevi? em 24 agosto. 24 de abril. quando você terminou de ler), com páginas sem numeração e mutável, que nunca estão no mesmo lugar. A internet é, no fim, o verdadeiro Livro de Areia. E em algum lugar deste tempo Borges sorri.

Argentinian writer JORGE LUIS BORGES, writer, Rome 1981. GRAZIA NERI / LEHTIKUVA Marcello Mencarini

O Livro de Areia
Autor: Jorge Luis Borges
Tradutor: Davi Arrigucci Jr.
Editora: Cia. das Letras, 104 páginas
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sábado, 25 de agosto de 2012

A ética protestante e o espírito do capitalismo. Max Weber



"A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" é um dos livros fundamentais da teoria sociológica clássica. Elaborado com o intuito de se contrapor às interpretações materialistas do marxismo em voga, o livro propõe uma compreensão do capitalismo que parte, ao invés do âmbito econômico (as relações sociais de produção, como fazia Marx), do âmbito espiritual, cultural. Daí porque a história do capitalismo é contada a partir do desenvolvimento da ética protestante. Esta ética, surgida no contexto da Reforma, como crítica do Catolicismo, propunha uma forma de religiosidade diferente, mais espiritualizada.

O ponto principal de divergência entre a ética protestante e a católica está em sua concepção de salvação: ao contrário das doutrinas católicas, o protestantismo não considera que as boas ações do sujeito possam influir em sua salvação. Ao contrário, esta salvação está garantida ou não por Deus, independentemente do comportamento do sujeito. O sujeito não tem como garantir sua salvação, mesmo que aja moralmente e que pratique o bem. Se este sujeito possui esse comportamento irreprovável, o protestantismo considera que ele deve ser um escolhido, mas não pode, de modo algum, garantir isso.

Os desígnios divinos estão absolutamente fora do alcance de qualquer ser humano. Entre Deus e os homens, não há qualquer mediação - mesmo a Igreja não possui qualquer contato especial com Ele. Daí porque também, no protestantismo, toda vida religiosa que antes era coletiva (na Idade Média católica) torna-se essencialmente individual.

Nesse sentido, o protestantismo: 1) separa radicalmente o homem de Deus, já que os desígnios d'Ele não podem ser conhecidos pela limitada mente humana; 2) desenvolve a teoria da Predestinação (já que não podemos agir moralmente e assim garantir a salvação, só podemos imaginar que alguns são predestinados à salvação, embora não possamos nos certificar de quais são os escolhidos); 3) como substituto à idéia católica das boas ações que garantem a salvação, cria-se a idéia de que o sucesso na vida mundana é um sinal de que se é predestinado. Com isso, o protestantismo cria uma ética inteiramente nova: a ética do trabalho.

Se Deus quer a Glória, se todo o Universo é criado para a Glória de Deus, e se os homens são escolhidos ou não nesse Universo por Deus, sem que nós possamos garantir nenhuma salvação, então apenas podemos nos contentar (e procurar nos tranquilizar) com a idéia de que, se somos prósperos, se engrandecemos a glória divina, então devemos ter sido escolhidos. Daí porque a riqueza é o sinal de nossa salvação, e consequentemente, a ética é a da produção da glória divina, a produção da prosperidade, da riqueza. No entanto, esta riqueza deve ser produzida para a Glória de Deus e não para a glória humana mundana.

O sinal da salvação é dado pela prosperidade do homem que acumula, e não pelo homem que gasta, pois este último não trabalha pela glória de Deus, portanto não deve ser um escolhido. A ética protestante, como ética do trabalho feito para a acumulação (e não para os gastos, as despesas, o consumo da riqueza) é o fator cultural determinante para o desenvolvimento do capitalismo, segundo Weber. Assim, contrapondo-se à interpretação marxista clássica, Weber propõe uma inversão no materialismo, propondo que um valor ético foi capaz de criar as condições para um desenvolvimento econômico e se torna, desse modo, um outro clássico fundamental na literatura sociológica. (Fonte: Netsaber)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Os 120 dias de Sodoma. Marquês de Sade

"Bom, agora que vocês já foram devidamente introduzidos (!) ao pensamentos sadista, podemos discutir aquela que é considerada sua obra máxima… o incompleto, e, por muito tempo dado como perdido, “120 Dias de Sodoma”.

“120 Dias de Sodoma” usa o mesmo recurso de história-dentro-da-história de livros clássicos, como “Mil e Uma Noites” e o “Decamerão”. Não é tanto uma paródia quanto um estilo comum à época. No castelo de Silling, um juiz, um nobre, um político e um padre se reúnem, trancados por 120 dias com um grupo de prostitutas vis e envelhecidas, e jovens virgens e belos, de ambos os sexos, que, durante o decorrer da narrativa serão submetidos aos mais diversos abusos. Em cada dia uma prostituta narra uma história diferente, sendo que os epísódios são cuidadosamente escalonados em um crescendo de perversão, maldade, violência e terror. As primeiras histórias, as paixões simples, nem sequer envolvem penetração. Já as últimas, as paixões assassinas, invariavelmente envolvem a tortura, mutilação e morte como o elemento erótico do texto.

Nada disso é gratuito. Sem dúvida Sade tinha lá a intenção de chocar… mas o sadismo é muito mais que um fetiche para a classe média aborrecida, incapaz de perceber que o problema não é tanto repetição incessante da posição papai e mamãe e mais o fato de que papai e mamãe gostariam mesmo é de estar trepando com titio e titia. Talvez ao mesmo tempo… but I digress. Sadismo é uma visão de mundo complexa que envolve uma dura crítica às autoridades estabelecidas, retratadas como criminosos mendazes e cruéis, pouco interessados em mais do que oprimir as classes baixas, dispondo deles conforme suas vontades mais odiosas e rompendo em privado com os ideais de justiça, fraternidade e igualdade que pregam em público. Mas é aí que está a ambiguidade do pensamento de Sade, a contradição interna que contribui grandemente para a não-compreensão da obra do autor: ao mesmo tempo em que Sade denuncia a hipocrisia da autoridade e dos valores morais, que em sua visão são apenas formas de controle impostas sobre o povo e que não representam nenhuma realidade empírica ou objetiva, Sade dá a entender que a libertinagem, em última instância, leva à destruição. Assim como em “Filosofia na Alcova”, em que a libertação da casta Eugénie do mundo dos valores burgueses a transforma em um monstro, também em “120 Dias de Sodoma” a única personagem capaz de superar o ciclo de abuso e submissão imposto pelos protagonistas é aquela que se torna ela também um algoz, e assassina.

A visão normalmente propagada do sadismo enquanto ato erótico é, afinal de contas, extremamente sanitizado e anódino. A disposição emocional de Sade provavelmente variaria entre diversos tons de descrença e fúria, ao ver que, em nosso século, seu nome é associado à fantasias de couro e chicotinhos de brinquedo vendidos no sex shop da esquina para donas de casa aborrecidas (ver falta de titio e titia, acima). O sadismo sexual, na obra do bom Marquês, era um ato que deveria, invariavelmente, culminar com a morte da parte submissa, de preferência após tortura indizível e insuportável. A idéia de sadismo consensual seria, em si, absurda e desagradável. O prazer residiria justamente na violação, no profundo abuso da integridade física, moral e emocional de uma das partes, que seria muito mais vítima do que parceiro sexual. Não que Sade fosse um mórbido. Na verdade, o homem foi preso por Robespierre justamente por se opôr firmemente à pena de morte. Mas, na visão de sexualidade de Sade, o prazer e a morte, o êxtase e a agonia, não eram forças opostas, mas sim elementos extremamente interligados e interdependentes. Note que a última história de “120 Dias de Sodoma”, por definição o ato sexual supremo na visão de Sade, não envolve nenhuma forma de intercurso como nós conhecemos. É sim a história de um homem que mutila e assassina 15 jovens das mais diferentes maneiras, tirando seu prazer de vê-las morrer. Para Sade, em última instância, o gozo era causar a destruição.

Daí a ambiguidade, já mencionada. Sade defendia um mundo onde, ao invés de se manterem submetidos a forças totalitárias e mentirosas, as pessoas seguissem seus próprios valores subjetivos, buscando a obtenção do prazer individual. Mas, ao mesmo tempo, Sade demonstrava que, a busca incessante pelo prazer individual só poderia levar a um estado generalizado de violência, conforme a dissolução total dos valores morais levasse os homens à busca ao êxtase máximo: a obliteração sem culpa do outro. Talvez Sade acreditasse na existência de um meio-termo entre um ponto e outro. Talvez não, e nem sequer se importasse.

Mas depois de toda essa exegese do pensamento sadiano, resta ainda a pergunta crucial: O livro é bom? Não. Não é não. Para um livro cujos temas principais são sexo e morte (aliás, que livro não é sobre isso?), “120 Dias de Sodoma” é surpreendentemente chato. Sade podia ser um crítico ferrenho da mentalidade Iluminista, mas também não deixava de ser um homem de seu tempo. Como uma espécie de Diderot do mal, Sade pretendia fazer uma compilação exaustiva de cada tipo de ato sexual fora da norma, devidamente categorizado e registrando cada variante possível. O resultado é uma história sobre um cara que come cocô, outro que come cocô e vomita, daí uma história sobre um que gosta que comam cocô e vomite nele, e outro ainda que faz tudo isso e daí come o cocô vomitado depois… e o resultado é tão aborrecido quanto ler uma enciclopédia, que é o que “120 Dias…” se propunha ser. Para piorar, não estamos mais no século XVI. Hoje em dia filmes como O Albergue ou Jogos Mortais tornaram a tortura com requintes de crueldade não só um lugar-comum, mas praticamente um novo gênero de ficção. As atrocidades de “120 Dias de Sodoma” não deixam de ser perturbadoras, mas não são nada capaz de abalar muito profundamente as disposições cínicas de um habitante do século XXI. O diferencial de “120 Dias de Sodoma” é que, diferente dos filmes acima, o objetivo de Sade não era só entretenimento. Era abrir uma janela, uma passagem negra e reveladora para o outro lado, secreto, dos belos e brilhantes ideais do Iluminismo. Sade é bom para se pensar, como diz Lévi-Strauss. Mas para ler casualmente, isso é outra história.

(Mas pode gerar circunstâncias interessantes, como quando entrava na minha casa com o livro e meu pai, na varanda me perguntou: “Que livro grosso na sua mão, filho. É a Bíblia?”. “Não”, respondi, “são OS 120 DIAS DE SODOMA!”. Foi engraçado ver a cara de surpresa do velho, enquanto ele dizia “Caralho! Não podia estar mais errado!…”)"

Outra resenha: "Levante a mão quem já leu esse livro. Eu sou a única pessoa que eu conheço que, por enquanto, teve estômago para ler de cabo a rabo os 120 dias de Sodoma, de Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade. Escrito em 1785 em seu encarceramento na Bastilha (foi transferido pra lá depois que o Château de Vincennes foi fechado, em 1784). O Sade é um cara assim meio Edward Bunker, passou quase toda a vida preso, seja por perseguições políticas, seja pelas merdas que ele fez com suas prostitutas (reza uma lenda de que ele teria envenenado duas delas “sem querer” ao ter ministrado “pílulas para peidar”. Ele curtia umas coisas dessas).

Tenho uma “tioria” que atesta que quanto menor o tempo que o escritor leva para escrever sobre um assunto, mais presente o tal assunto está em sua vida. Pois bem: os 120 dias de Sodoma foram escritos em apenas trinta e sete dias. Bom, na verdade, a obra nunca chegou a ser completada, pois, dos cento e vinte dias do enredo, foram narrados apenas trinta. Para o resto ele fez apenas o roteiro e a descrição dos dias. Acontece que depois a Bastilha foi tomada, todo mundo picou a mula de lá e o manuscrito acabou sendo deixado para trás, apenas para ser recuperado anos depois. Foi então que essa hecatombe literária veio ao mundo.

Resumo da ópera: quatro ricaços muito pervertidos que comem as próprias filhas resolvem ir para um castelo na Suíça para passar quatro meses de pura sacanagem. Para isso contratam quatro putas velhas (chamadas “musas”) para narrar suas histórias e quatro amas. 

Seqüestram oito meninas e oito meninos virgens de idade entre 12 e 15 anos para serem arregaçados e ainda solicitam oito “fodedores”, sujeitos de pirocas enormes para enrabar os amigos (eles são chegados nisso também). A cada mês o nível de perversão aumenta. Começa leve: gente que come cocô, vômito, mija na cara, etc. No segundo mês, as “paixões duplas”: incestos mil e os water sports já mencionados. No terceiro, “paixões criminosas”: gente que sente tesão em furar um olho, arrancar um dente, cortar o dedo. Por último, “paixões assassinas”: galera que só se diverte se matar o parceiro sexual. Claro que quem sofre com isso são as criancinhas, que além de serem todas descabaçadas, ainda são lentamente mutiladas até a morte (vocês devem estar dizendo “Chega! Chega! Chega!”).


Há uma cena emblemática: Quando uma das musas narra um golden shower e os nobres mandam deitar uma das menininhas virgens na mesa para receber o mijo na cara, a menina diz algo como: “Pelo amor de Deus, senhor, não faça isso comigo senhor. Estou muito triste porque, na ocasião do meu sequestro, meus pais foram assassinados por seus capangas.” Aí um dos ricaços chega pra ela e fala: “Menina, não se atreva a falar de Deus aqui dentro. Se Deus existisse ele não deixaria a gente fazer isso com você.” Acho que essa cena resume o livro. É a crueldade desenfreada, a busca pelo prazer sem ética, tudo o que as pessoas fazem quando saem pro crime nas festinhas e não se preocupam com quem elas estão beijando, só que com uma lupa de aumento brutal que explicita o horror da coisa.

Ganhei esse livro de natal da querida tia Albinha (desconfio que se ela soubesse do que se trata esse livro, ela teria preferido me dar outra coisa) e o li enquanto pedalava bicicletas ergométricas numa masmorra chamada academia de ginástica. O livro é extremamente bem escrito, com uma prosa da era moderna fluída. Gostei mesmo da proposta do livro e recomendo para quem agüentar o rojão.

A edição da Iluminuras é linda pra caralho. Vem com um marcador personalizado preso à orelha (só destacar). Excelente diagramação e o melhor: um dos melhores desenhos de nada menos que Egon Schiele na capa. Acho que todo mundo que desenha curte, ou deveria curtir Schiele porque as poses que ele desenha não são para qualquer um. (falo mais dele se um dia for falar dos Cadernos de Dom Rigoberto). Papel pólen, pra agradar todo mundo e fonte Garamond, que eu acho meio apagada, mas estilosa demais." (Fonte: Livrada)