quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O espelho no espelho. Michael Ende.

Um dos mais criativos e originais escritores alemães da nova geração, Michael Ende transformou-se numa espécie de “guru” para muitos jovens inconformados e automarginalizados da sociedade contemporânea. Mochila nas costas, cabelos punk, roupas variadas e coloridas, centenas de jovens admiradores diariamente detêm-se em frente a sua casa, uma hospitaleira vila cheia de pinheiros e oliveiras, em Ganzano, perto de Roma. Ali vive esse velho tranqüilo, de barbas brancas e olhos azuis de criança, em meio a seus livros, objetos bizarros e quadros surrealistas, sem entender exatamente o motivo de tanta admiração e curiosidade.
Michael Ende move-se entre a realidade e a fantasia, num universo de ocorrências singulares, onde figuras míticas, como magos, bruxas e duendes, se defrontam com seres humanos. Com um estilo surrealista, suas histórias procuram recuperar criativamente o romantismo alemão, não no sentido de valorizar um passado glorioso, mas para alertar sobre as graves questões do mundo de hoje. Ende não pretende criticar indivíduos, mas todo um sistema. Para ele, os princípios demoníacos que predominam em nossa época, incluem o absoluto domínio das massas sobre os indivíduos. No centro de suas preocupações, estão a bomba atômica, a defesa do meio ambiente e os valores básicos do homem.
Filho de um dos mais importantes pintores surrealistas alemães, perseguido por Hitler, Michael Ende nasceu na pequena localidade de Garmisch (famosa pelos esportes de inverno), na Bavária, a 12 de novembro de 1929. Tendo herdado do pai o gosto pelas artes e o amor pela liberdade, passou sua infância e juventude entre “pintores-literatos e escultores”, procurando se afastar da realidade do seu tempo, que tanto o oprimia. Era um jovem solitário e imaginativo, que se refugiava nos livros, criando histórias fantásticas.
Embora fosse um escolar negligente, Ende começou a escrever poemas e narrativas com apenas catorze anos de idade. Depois de trocar várias vezes de escola, julgou-se ator e, quando percebeu que não tinha aptidões suficientes para a interpretação, dedicou-se a escrever. Sua primeira obra teatral foi muito criticada, e seu primeiro livro, “Jim Knopf e Lucas, o Maquinista”, antes de ser publicado, em 1960, foi rejeitado por dez editores ao longo de três anos. Esse pequeno livro para crianças, várias vezes premiado, vendeu quinhentos mil exemplares. somente na República Federal da Alemanha, e já foi traduzido em vinte idiomas. Depois vieram: “Manu, a menina que sabia ouvir” (já publicado pelo Círculo do Livro), em 1973; “História sem fim”, uma notável alegoria sobre. o mundo de hoje, adaptada para o cinema com grande sucesso, e finalmente “O espelho no espelho”, onde numa espécie de labirinto, desenvolvem-se simultaneamente trinta narrativas, cujos jogos e combinações formam cenas de verdadeiro horror, solidão e medo.
Mais recentemente, em 1984, Michael Ende escreveu o libreto de uma ópera, “El Goggolori”, em que usa a música do compositor alemão Winfried Hiller, e que igualmente provocou muitas discussões e polêmica.
Início do livro:
“Perdoe-me, eu não posso falar mais alto.
Eu não sei quando você vai me ouvir, você, a quem me dirijo. E será que vai me ouvir? Meu nome é Hor.
Eu lhe rogo, coloque seu ouvido perto da minha boca, por mais longe que você esteja de mim, agora ou em qualquer momento. Caso contrário, não conseguirei me fazer entender por você. E mesmo que você consinta em atender meu pedido, ainda assim muitas coisas não serão ditas, e você as terá de completar por sua conta. Preciso da sua voz, sempre que a minha ficar presa na garganta. Essa fraqueza pode ser explicada talvez pelo lugar onde mora Hor. Na verdade, até o ponto em que ele consegue recordar-se do passado, Hor reside em um gigantesco prédio completamente vazio, no qual qualquer palavra pronunciada em voz alta provoca um eco sem fim.
Até o ponto em que consigo me recordar do passado. Que quer dizer isso?
Às vezes, em suas perambulações diárias através das salas e corredores, Hor ainda se encontra com uma ressonância errante de um grito qualquer que ele emitiu espontaneamente, sem pensar, tempos atrás. Para ele, é um grande tormento deparar-se com seu passado dessa maneira, sobretudo porque a palavra escapada de seus lábios perdeu forma e conteúdo nesse meio tempo, tornando-se irreconhecível. Agora, Hor já não emite mais esses balbucios idiotas.
Ele se acostumou a usar sua voz — quando a usa — apenas abaixo do limite capaz de produzir um eco. Esse limite situa-se um pouco acima da voz normal, pois esta casa tem ouvidos incrivelmente apurados. Sei que estou pedindo demais, mas você terá até mesmo...” (p.7)
Michael Ende
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