quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Jogo das Contas de Vidro. Hermann Hesse


O Jogo das Contas de Vidro, de Hermann Hesse, é uma fábula sobre o jogo como utopia total. Para Hesse, “o Jogo das Contas de Vidro é um jogo que joga com todos os conteúdos e valores da nossa cultura, um pouco como nos tempos áureos das artes um pintor terá brincado com as cores da sua paleta”, como um órgão é tocado (em inglês, “jogado”) por um organista. Acrescentaríamos hoje: como um computador é jogado por um matemático.

Continua Hesse a sua descrição do “Jogo das Contas de Vidro”: “Uma partida podia, por exemplo, partir duma dada configuração astronômica, ou do tema duma fuga de Bach, ou duma frase de Leibniz ou dos Upanishads e, segundo a intenção ou o talento do jogador, prosseguir e desenvolver a ideia condutora por ela evocada ou enriquecer a expressão dessa mesma ideia com a evocação de ideias próximas. Se o principiante era capaz de estabelecer um paralelo, por meio dos símbolos do jogo, entre uma melodia clássica e a fórmula duma lei da Natureza, o conhecedor e o mestre conduziam a partida desde o tema inicial até combinações ilimitadas.

M. Eigen parte do Jogo das Contas de Vidro de Hesse (que é citado logo no início) para uma partida com o leitor, e acaba por estabelecer um paralelo entre as leis da natureza, que regulam o acaso, e as regras musicais, tanto clássicas, baseadas na harmonia, como modernas, exemplificadas nas séries de Schönberg.”

“Esses meninos que partiram tem para mim, apesar de tudo, alguma coisa de imponente, assim como o anjo rebelde Lúcifer tem certa grandiosidade. Talvez tenham feito uma coisa errada, podemos admitir que cometeram um erro, mas, seja como for, fizeram alguma coisa, realizaram algo, ousaram dar um salto e é preciso coragem para isso. Nós que fomos aplicados, pacientes e ajuizados, não fizemos nada, não demos salto algum.” Hermann Hesse.

A ação de “O Jogo das Contas de Vidro” se situa num tempo intencionalmente indefinido. Esta obra contém, é certo, uma crítica à nossa época. Mas em vão aí se procura a evoca-cão de uma técnica e de uma ordem social, econômica ou bio­lógica novas. Aos olhos de Her­mann Hesse, devem-se aos pro­gressos técnicos as duas guer­ras mundiais, assim como o de­senvolvimento dos valores es­pirituais que caracterizam nos­so século.

O plano deste livro é dialéti­co. Baseia-se num raciocínio que poderia ser resumido nos seguintes termos: se é verdade que a causa do trágico erro da civilização moderna é aglome­ração, no espírito humano, de noções heterogêneas e a fasci­nação pelo poder tecnológico limítrofe ao milagre, o que su­cederia se, ao contrário, a ci­ência, o sentido do belo e do bem se fundissem num con­certo harmonioso. O humanismo assim expres­so não seria nem o do homo faber nem o do homo sapiens."
Hermann Hesse (1877-1962)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Confissões de um comedor de ópio. Thomas De Quincey

Um livro para se ter o fiel retrato da decadente sociedade britânica nos séculos XVIII e XIX, com passagens marcantes e comoventes. Um livro que se tornou um clássico de literatura universal.
"Neste livro, o grande escritor inglês Thomas De Quincey (1785-1859) fala de sua descoberta do ópio, como se fosse a revelação da verdade divina.
 “Esta é a doutrina da verdadeira igreja sobre o ópio, da qual eu sou o único membro”, dizia ele. O ópio, não o comedor de ópio, é o “verdadeiro herói da história”.
O livro foi escrito também com o disfarçado propósito de mostrar a força específica do ópio sobre a faculdade de sonhar, “mas muito mais com o propósito de mostrar essa faculdade”. A verdadeira originalidade do livro e nisso todos os intérpretes parecem de acordo não é o registro do caso de um viciado em ópio, mas o fato de ser um estudo pioneiro da interferência do subconsciente nos sonhos. Nele De Quincey inicia a exploração da mente, principalmente a da criança, que aprofundaria em outro trabalho, Suspiria de Profundis. (...)
De Quincey foi um comedor de ópio por quase cinqüenta anos, e as doses variaram durante esse tempo. Era considerado um excêntrico, vivia em quartos infectos e entre pilhas de jornais; comia mal e pouco, e normalmente andava de noite para se manter na cama durante todo o dia. Era incapaz de lidar com dinheiro, de observar horários e datas, porque não estava preparado para perder tempo com esse tipo de insignificâncias. (...)
Cortês na hora de falar, mas algumas vezes malicioso e mesmo impertinente ao escrever; superficialmente conhecido, mas inatingível nos mais fundos recantos de sua mente.
“Havia encontrado uma panacéia para todos os males humanos: aqui estava o segredo da felicidade, sobre a qual os filósofos haviam discutido durante tantos anos. A felicidade podia agora ser comprada com uma moeda e carregada no bolso do casaco: êxtases portáteis poderiam ser engarrafados e a paz de espírito poderia ser remetida em galões pela diligência do correio. Mas, falando desse modo, o leitor poderá pensar que estou brincando. Posso assegurar, entretanto, que ninguém brincará muito tempo quando estiver mexendo com o ópio.”  (Thomas De Quincey em seu Confissões de um Comedor de Ópio, quando falava a respeito dos prazeres do ópio.)"




domingo, 26 de setembro de 2010

As certezas e as palavras. Carlos Henrique Schroeder.


Contos curtos e dinâmicos, estruturados em narrativas com estilo contemporâneo de literatura. O autor soube dosar, com maestria e fugindo da soberba, seu amplo domínio das variações estilísticas, sem cair na monotonia ou beirar a incompreensão. São narrativas para criar desconforto, incômodo, frustração intelectual até. Devemos ler mais, muito mais, sem limite. As certezas do autor são questionadas e questionáveis. E elas aparecem ora como se fossem proverbiais, ora como simples (?) reflexão filosófica e estão ali para intimidar o leitor. Não que isso seja negativo, mas é uma situação que nos  desafia. Reflexão nunca é demais. As “palavras” são escolhidas apropriadamente, trabalhadas, dissecadas, sufocadas até, para que o leitor descubra seu nivelamento. As citações de livros, autores, música, filmes, são para criar certos “links” e então tirarmos o traseiro do sofá e ir em busca do saber. Que também nunca é demasiado.

O nome do livro, por acaso, coincide com o título de um dos textos (contos) da obra, mas acredito que não foi este o motivo da escolha pelo escritor. Em “As certezas e as palavras”, o autor catarinense trabalha reiteradamente com ambas as expressões nos 20 contos que integram o livro.  

Carlos Henrique Schroeder, em certos textos, apresenta narrativas com palavras ásperas e duras, mas sempre apropriadas (em momentos), as quais todos conhecemos, embora o uso  delas pelos leitores varie pelo grau de auto-policiamento vocabular. Outras vezes, talvez num excesso ou vacilo intelectual, não sei, chega à perfeição, como em “Indie” (p.82), sublime e encantador. Mais uma prova de que a literatura não é uma forma de fuga da realidade. A literatura tem sua função social: questionar, induzir à reflexão. Pode não ser sempre “de todo”, mas “principalmente”. O livro de Carlos Henrique Schroeder é excelente em todos os aspectos. O meu próximo da lista é “Ensaio do Vazio”  (2006 - do mesmo autor). Agora já sei o que me espera. Boa leitura a todos.

A seguir, outros comentários. Só para não dizerem que estou exagerando ou mentindo:

"As Certezas e as Palavras é o nono livro do escritor catarinense Carlos Henrique Schroeder. Reúne mais de 20 contos deste autor, alguns deles inéditos, outros já editados em coletâneas, revistas ou jornais nos últimos cinco anos. As relações entre as certezas e as palavras são o tema de uma série de histórias sólidas, totalmente viscerais e desafiantes, tanto em linguagem quanto em técnica." Correio do Povo, 20/3/2010.

"Em 19 contos curtos, o autor catarinense desfia uma narrativa irônica e afiada ao construir personagens inusitados, como os irmãos que vão passar um tempo juntos no cemitério a pedido da mãe ou aquele que encara os rodapés de livros como a parte mais interessante da vida. O nono livro de Schroeder é dividido em cinco partes e traz ainda homenagens a Virginia Woolf, Rimbaud e Shakespeare." Correio Braziliense, 18/2/2010.

"Não é à toa que Formas breves, do argentino Ricardo Piglia, é lido por um dos personagens de Schroeder. Ele sabe que o conto precisa ir direto ao assunto e que sua essência está no esmero técnico. Como também o disse Cortázar, o conto se faz menos de "o que diz" e mais do "como diz". O uso de elipses, do diálogo sem maiores caracterizações de espaço e tempo, o encadeamento de cenas que lembra o texto para teatro sem rubricas, a linguagem debochada e o ritmo vertiginoso são algumas das qualidades desse As certezas e as palavras." Resenha de Ieda Magri, no Ideias & Livros, do Jornal do Brasil, 26/2/2010.


domingo, 12 de setembro de 2010

Assim Falou Zaratustra. Friedrich Nietzsche

Título também conhecido como "Assim falava Zaratustra", mas se trata do mesmo livro.


Bem do tipo: "Decifra-me se fores capaz!". "Assim Falou Zaratustra" é um livro desafiador. Para quem tem realmente "coragem" para abrir um livro e ler. O medo e a frustração nos acompanham a cada linha lida. Assombra-nos a decepção da nossa limitação interpretativa. Nietzsche já foi hostilizado e continua incompreendido até hoje. Foi até, equivocadamente, tachado de inspirador do nazismo, quando, na verdade, foi é mal interpretado. Para quem leu e ficou meio abestalhado (como eu!), vai a seguir uma pequena ajuda, do site Schvoong.com:

"O livro Assim Falou Zaratustra marca o momento positivo da filosofia de Nietzsche, a chamada filosofia do meio-dia. Dividido em quatro livros, (escritos cada um deles em 10 dias como diz o autor, em 4 anos diferentes), não é uma filosofia sistemática. Inaugura enquanto linguagem nestes escritos, o aforismo e o poema, coisa que não era própria da filosofia no século XIX, o que torna suas idéias de difícil compreensão, por permitirem várias interpretações. Afinal, é isso que ele acha que é a filosofia, interpretar e avaliar a realidade e não a busca de uma verdade absoluta, que não existe.

No primeiro livro do Zaratustra anuncia a morte de Deus e o supra-homem (Übersmensch). Diz que “o homem é uma corda atada entre o animal e o supra-homem ”, algo a ser superado.

Com a morte de Deus, o homem se vê criador de valores e assim abandona todo “tu deves” para dizer “eu quero” e se afirmar enquanto criador . Seguem-se diversas parábolas, indicando o homem como algo a ser superado. Zaratustra sai atrás de companheiros. Termina o livro despedindo-se de seus discípulos e pedindo para que eles até mesmo reneguem Zaratustra, pois ele pode ser um enganador. Quem quiser seguir Zaratustra deve seguir a si mesmo e só assim poderá ser companheiro de Zaratustra. 

No segundo livro, desce novamente a montanha porque sua doutrina está sendo corrompida. Volta para ensinar o amor fati , como afirmação da vida e do sentido da Terra . Afirmar todas as alegrias e sofrimentos como parte da vida, como a própria vida, sem nenhuma recompensa a posteriori. A vida é aqui e agora

Nada mais que isso. Querer qualquer coisa depois da vida é querer o nada. Na vida, tudo é transitório, nada é fixo. Ataca os sacerdotes como envenenadores da vida, que dizem ser aqui um vale de lágrimas e a recompensa vem depois da vida, esses caluniadores do espírito são os inimigos de Zaratustra e atrasam a vinda do supra-homem. Zaratustra vem ensinar que o homem deve vencer a si mesmo e que este combate não tem fim nem descanso. Por isso o homem fraco se desespera com a vida e busca sempre um porto fixo onde possa fingir que a vida é outra coisa e se livrar do desespero.

No terceiro livro, descreve sua doutrina do eterno retorno de todas as coisas. O tempo, nessa concepção, é um anel perfeito. Sem inicio nem fim, é uma estrada que só pode ser conhecida no portal do instante. Deste portal segue uma estrada infinita para trás e para frente, sendo o instante o ponto onde as duas estradas se encontram. Assim todas as coisas já aconteceram e irão acontecer novamente numa repetição infinita. Este eterno retorno é o mais pesado dos pesos. E Zaratustra é, antes de tudo, "o mestre do eterno retorno". 

Apresenta-o, por um lado, como assustador quando não mortífero e, por outro, como libertador, como a "fórmula suprema da afirmação". A existência, tal como é, sem sentido ou alvo, mas retornando inevitavelmente, sem um final no nada: 'o eterno retorno' . É a forma mais extrema do niilismo: o nada (o 'sem-sentido') eterno!

"Retornarei com este sol, com esta terra, com esta águia, com esta serpente – não para uma vida nova ou uma vida melhor ou uma vida semelhante – Retornarei eternamente para esta mesma e idêntica vida, nas coisas maiores e também nas menores, para ensinar outra vez o eterno retorno de todas as coisas – para dizer outra vez a palavra do grande meio-dia da terra e do homem, para anunciar outra vez aos homens o supra-homem. Disse a minha palavra, despedaço-me por causa dela: assim o quer a minha eterna sina –, como anunciador pereço! Chegou a hora em que aquele que declina abençoa a si mesmo. Assim – termina o declínio de Zaratustra".

No quarto e último livro é a vez dos homens superiores irem à montanha atrás de Zaratustra, o adivinho, os reis, o consciencioso, o encantador, o último papa, o assassino de Deus, o mendigo voluntário, e a sua sombra. Todos os que perderam o sentido da vida, a procura de novo sentido, a grande esperança. 

Zaratustra os encontra pela montanha e lhes oferece abrigo em sua caverna (clara alusão a Platão), junto a seus animais, a serpente e a águia (representando o conhecimento e o orgulho, respectivamente). Mas os homens superiores não estavam preparados para o novo sentido e buscam o que adorar no lugar do Deus morto. E começam a adorar o jumento como encarnação da doutrina de Zaratustra, pois o jumento sempre diz: IA! (em alemão: sim!) .

Zaratustra os chama de volta à consciência. Os homens superiores estão longe de serem aquele que Zaratustra veio anunciar! Mas também descobriram satisfação com um instante que valeu a vida inteira. “Era isto a vida? – direi à morte. – pois bem: repita-se!”. Com Zaratustra festejaram e embriagaram-se e, na manhã seguinte, eis que surge o leão que acaricia Zaratustra e põem em fuga os homens superiores . 

É o leão do “eu quero” que enche Zaratustra de alegria como que anunciando que o supra-homem está próximo, mas desperta o medo em todos os homens superiores . Medo da vontade livre que tudo quer e que sabe que deve destruir o velho para que o novo seja criado.

Assim falava Zaratustra..."

Fonte: Filozefia.

domingo, 5 de setembro de 2010

Os anões. Veronica Stigger


 

Parto de um jargão que circula nas bocas do povo, mas que deixou de significar uma verdade há muito tempo: “nada mais me surpreende neste mundo!”. Mentira, engano, tolice. Sim. A qualquer momento somos supreendidos. Como agora, depois de ler “Os anões”, de Verônica Stigger. Fosse um filme, este livro, nos Estados Unidos, renderia manchetes  apelativas tão comuns, entre os gringos, na revista Time, ou numa Vanity Fair da vida: “Unforgettable!”, “The best book of the year!”.


Este livro me foi sugerido pelo escritor Otto M.. E costumo apreciar e respeitar suas sugestões, pois são excelentes: filmes, músicas, clipes, livros. E, tão logo, recebi a sugestão, encomendei pela internet, com a garantia de que o conseguiria em tempo hábil. Um dia antes da chegada do livro, leio na revista “Aplauso”, a crítica do colunista André “Cardoso” Czarnobai, na página 47, intitulada “Futuro do Pretérito”: “... Em suma: se ainda não representa o futuro do livro em sua mais profunda essência, pelo menos “Os anões”  é, na pior das hipóteses, um movimento muito inteligente nessa direção.”

“Os anões” revoluciona, de certa forma, em vários aspectos, não só na forma externa do livro (negro, compacto, sem costura, páginas lustrosas e duras como plástico), mas pelo conteúdo. Mistura de “non-sense” e “realismo-mágico” ou “fantástico”, como aqueles filmes curta-metragem da série de tevê americana “the twilight zone”. O absurdo encarado com  espantosa naturalidade, para nos incomodar mesmo, para nos fazer mudar a posição do traseiro no sofá ou na poltrona, coçar a cabeça, blasfemar, soltar palavrão. Para nos forçar a dizer desnecessariamente: “Meu Deus, que loucura!”. Ou então, confirmarmos a teoria científica dos “mundos paralelos”, os quais existiriam cotidiana e simultaneamente ao nosso, e, com  provável certeza,  estão nas nossas mentes. Nas cabeças maravilhosas dos escritores, principalmente desses tachados de malucos e perigosos, como “Verônica Stigger”.

Parabéns à Editora CosacNaify, que viu no conteúdo contemporâneo e ousado de “Os anões” a necessidade de uma encadernação à altura do trabalho de Verônica Stigger. Não acreditam? Acham que estou exagerando, ou fazendo markenting para a editora? Então leiam a crítica de Czarnobai. As palavras em maiúsculo são do próprio Czarnobai. 

“Futuro do Pretérito. Por André “Cardoso” Czarnobai.

Coisa de três anos atrás, TODA vez que era convidado a opinar sobre o FUTURO do LIVRO em qualquer FÓRUM que aparecesse pela frente, apresentava sempre a mais FUNESTA dos ESTIMATIVAS: o livro vai ACABAR, O Livro vaI FENECER. Isso nem está mais em questão. O que está em questão é QUANDO isso vai acontecer. Cinquenta anos de SOBREVIDA, meu prazo mais OTIMISTA. Logo, diante dos números cada vez mais CALAMITOSOS que emanavam de pesquisas sobre a leitura na JUVENTUDE, senti o ABRAÇO fatal: o livro não deve durar nem outros VINTE.

Pano rápido. De volta para o FUTURO.

Apoiado numa série de fatores, fatos e impressões que não cabem aqui serem ESMIUÇADOS, hoje já não mais ADMIRO (suporto, endosso ou defendo) a ideia de que o livro vá EXPIRAR algum dia. Todavia, não mais creio que seguirá SENDO o que TEM SIDO até aqui. Para seguir RELEVANTE, o livro precisará MUDAR. Nem tanto no nível da linguagem ou das mensagens — como se debatia no início TAMPOUCO nos formatos em que será distribuído e consumido — como se debate agora. O que o LIVRO precisa renegociar fundamentalmente é a MANEIRA como as pessoas o percebem e a RELAÇÃO que elas têm com ele. Mas COMO fazer isso? Por onde começar? Nesse momento de incerteza, teorias, escolas e correntes de pensamento EMERGEM de todos os lados. Cada uma aponta numa direção. TODAS incentivam EXPERIMENTOS. Alguns dão certo. Outros, não. Nenhum deles é definitivo, nenhum deles é em VÃO.

Na minha ÓTICA, o livro IMPRESSO deve se ADAPTAR às forças de mercado e avanços tecnológicos, embarcando na VIBE de OBJETIFICAÇÃO que impera em nossos tempos. Sendo mais direto: o livro precisa reforçar seu caráter de OBJETO, algo que é desejável não apenas pelo seu CONTEÚDO, mas também pela sua FORMA.

Pois parece que foi EXATAMENTE isso que percebeu Emilio Fraia, coordenador editorial de Os Anões, terceiro e mais ousado livro de Verônica Stigger (CosacNaif, 2010). Nunca o futuro do IMPRESSO me pareceu tão POSSÍVEL Ainda que seja evidentemente um LIVRO, a narrativa que este VOLUME encerra se estende muito ALÉM do texto, incluindo aspectos VISUAIS e TÁTEIS na equação.

REPOUSANDO quietinho sobre a mesa, protegido pela capa preta LUSTROSA, Os Anões parece um daqueles romances de FÔLEGO por conta de sua aparência BRUTA de CALHAMAÇO. O peso FORMIDÁVEL também prega esta PECINHA ASTUTA nos sentidos: é IMPOSSíVEL não concluir de que se trata de VOLUME de 500 páginas quando o tomamos nas mãos pela primeira vez.

Ao FOLHEÁ-LO, contudo, logo se constata o ENGANO — a primeira de uma sequência de pequenas estranhezas contidas nesta perturbadora jornada pela LÉPIDA e ARISCA prosa de Veronica. Tudo acontece muito RÁPIDO, tudo dá muito ERRADO, e quando a gente finalmente consegue se recompor das últimas linhas e vira a página com PRESSA, o que aparece do outro lado é um quadrado NEGRO, de bordas ROLIÇAS, sozinho num fundo branco, sem nenhuma explicação.

Entre um quadrado e outro, os NANICOS de Veronica percorrem os mais SORUMBÁTICOS porões da imaginação, chutando com força as CANELAS confortáveis de quem se atreve a acompanhá-los. ÜBBER-violência, cilício severo e CINTADA NA CARA são atmosferas recorrentes no livro, conferindo um tom NUBLADO e DENSO à prosa breve, direta e quase coloquial da autora. Ato de GOLPEAR face humana com FIVELA, todavia, não aparece em nenhuma das histórias do livro. Mesmo assim, prepare-se para sentir aquela dor no FIGO ao longo da leitura: eis um Iivro que sabe MACHUCAR.

MÁCULA mais grave no FASCÍCULO: a poesia baseada em EXCERTOS de anúncios classificados de apartamentos. Entendo, é claro, o evidente CUTUQUE que a Veronica crítica de arte oferece ao CONTEMPORÂNEO nestes (e em vários outros) momentos do livro, mas NESTE em específiCo, achei que NHÉ. Não funcionou tão bem. Em outros, porém, sucesso e PLENITUDE sem fim.

Em suma: se ainda não representa o FUTURO DO LIVRO em sua mais profunda essência, pelo menos Os Anões é, na PIOR das hipóteses, um movimento muito inteligente nessa direção.” (revista Aplauso, nº 107, p. 47)

Os anões. Veronica Stigger
Editora CosacNaify
60 páginas
R$37,00 na Livraria Cultura

sábado, 4 de setembro de 2010

Espelhos e Miragens. Hanna K. (e-book)


"... Eu pularia no pescoço do sujeito. Mas não a socrática Manuela. Ela simplesmente redargüiu:
- De que modo ser o que sou impede você de ser o que é?
                Pergunta intrincada. O rapaz parou por uns instantes de sorrir. Talvez para pensar melhor na resposta. Que respostas ele teria para esse dilema? Nenhuma..."


Passagens como essa, dão uma pequena amostra do excelente texto apresentado na história "Espelhos e Miragens", de Hanna K.

Com muito sacrifício, consegui compactar sete capítulos em 35 páginas, e todo o esforço não foi em vão. "Espelhos e Miragens" traz um história muito atual e gostosa de se ler.

"Espelhos e Miragens", de Hanna K., é um "livro" surpreendente, instigante, repleto de sentimento e de reflexão socio-cultural, que força o leitor a repensar conceitos e valores.

A autora traça um retrato fiel e comovente de uma personagem e seu processo de autoconhecimento diante de um amor proibido, homossexual, lésbico, e suas conseqüências num mundo repleto de preconceito e alienação "heterossexo-cultural".

Hanna K. utiliza vários tópicos socio-culturais para retratar o dilema pessoal da personagem Ana Paula, a qual entra em crise ao descobrir sua homossexualidade, sem saber como agir ao assumir-se perante a sociedade, principalmente familiares e amigos.

Destaque deve ser dado às referências bibliográficas e musicais, os monólogos reflexivos da personagem principal, e as citações iniciais dos capítulos, os quais abrilhantam ainda mais uma história emocionante.

A personagem Manuela possui traços marcantes e é descrita de tal forma por Ana Paula, que chega a ser apaixonante, retratando com exatidão e minúcias o que se passa na mente de uma jovem diante de uma paixão por outra mulher, contrapondo toda uma educação conservadora e heterossexual.

A autora revela oportuna e sutilmente dados culturais, que, aliados a um domínio incomum de linguagem e escrita, resultam numa narrativa densa, e ao mesmo tempo, rica, fluente, onde se alternam reflexão e crítica social.

Hanna K. é o codinome da professora Kelma Gallas. Talento não lhe falta.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Para ler literatura como um professor. Thomas C. Foster

Ficha Técnica
Título: Para ler literatura como professor
Autor: Tom C. Foster
Tradução: Frederico Dantello
Formato: 15 X 22,8 cm
Capa dura
Nº de páginas: 272
Preço: R$27,90 no Site Submarino.

Embora eu ainda esteja lendo o livro, nada melhor do que  já postar a recomendação de leitura. Um livro para quem adora ler e quer ampliar horizontes, e também para professores de qualquer área. A seguir uma resenha ótima sobre o livro, publicada no Jornal do Brasil:


Para ler literatura como um professor”: um guia que ensina a ler nas entrelinhas

18/05/2010  - Lua de Papel lança “Para ler literatura como um professor”, um guia que ensina a ler nas entrelinhas


Ao ler um livro, “basicamente, todos lemos a mesma história, mas não usamos o mesmo aparato analítico”. É dessa premissa que parte Thomas C. Foster, autor de “Para ler literatura como um professor”, publicado pela editora Lua de Papel.  Quem já assistiu a uma aula de literatura sabe o que o autor está falando: não raro o professor expõe significados e críticas interpretativasde um texto  que os alunos sequer suspeitaram. 

Com o a intenção de melhorar a percepção do leitor para a riqueza que reside nas  entrelinhas, Foster afirma que deve-se treinar a “linguagem de leitura”, para que o leitor aprecie e aproveite ao máximo os códigos e padrões presentes nos textos. Na  abertura de cada capítulo, Foster comenta quais os autores a serem interpretados e os contextualiza, o que facilita a compreensão de cada ponto abordado.

Tipos de personagens, ritmos de enredo e composição de capítulos fazem parte da estrutura que o autor cuidadosamente ensina a observar com uma nova visão. A partir das dicas literárias encontradas no livro, podemos compreender de forma muito mais ampla e clara as simbologias de cada personagem, de cada objeto e de cada atitude.  E para facilitar a compreensão, usa da melhor forma o material que tem a sua disposição: as próprias obras literárias.
Da fantástica história de “Fausto”, do escritor alemão Goethe, passando por “Édipo Rei”, de Sófocles, até algumas linhas simples criadas pelo próprio autor para exemplificar as narrativas, Foster vai, ponto a ponto, dissecando e indicando as ações que constroem as entrelinhas de cada história.

Aproveitando todo o vampirismo que tem dominado a cabeça dos jovens do mundo inteiro, o autor usa o enredo das principais obras sobre o tema para demonstrar que o vampirismo não trata somente de vampiros, mas de coisas como egoísmo, luxúria e tabus da sociedade. Uma frase do autor resume sua perpectiva: “fantasmas e vampiros nunca são apenas fantasmas e vampiros”. 

Foster afirma que os estudiosos profissionais de literatura aprendem a absorver os detalhes de primeiro plano, enquanto enxergam os padrões que os detalhes revelam.  Ensinar a enxergar os detalhes dos livros é o que Foster propõe como exercício. Por isso recomenda muita leitura, de suas dicas. Com elas, , o segredo das entrelinhas se abrirá para o leitor interessado em descobrir as muitas possibilidades e nuances presentes nos textos.

O autor

Tom C. Foster é professor de Inglês da Universidade de Michigan, EUA, onde dá aulas de ficção contemporânea, drama e poesia, bem como de escrita criativa e composição. Da observação e do interesse dos próprios alunos decidiu escrever algo que pudesse atender a leitores em geral, de modo a oferecer informação realmente útil sobre como se transformar num leitor superior. Escreveu diversos livros sobre literatura e poesia britânicas e irlandesas do século XX. Atualmente, vive em East Lansing, Michigan, EUA.


Sobre a Lua de Papel


A editora Lua de Papel é uma das mais importantes do grupo LeYa – formado por 18 editoras em Portugal e que acaba de ser fundada no Brasil. Seguindo o caminho da matriz e com o objetivo de criar uma identidade própria e firmar-se como uma das grandes editoras no país, a editora Lua de Papel tem como Publisher, Pedro Almeida, e conta com uma equipe própria de editorial, marketing e comercial.

Fonte:Belém Com