terça-feira, 31 de agosto de 2010

Ulisses. James Joyce

Um desafio: ler "Ulisses", de James Joyce.

"Ulysses é um épico do século XX.

Um dia na vida de Leopold Bloom. Exteriormente, um homem comum, um bom pai de família, um marido dedicado; interiormente, um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Joyce recria a saga do legendário herói grego Odisseu (Ulisses no seu correspondente latino) na sua tentativa de voltar para casa. Bloom é Ulisses; sua casa, Ítaca; sua esposa, Penélope.


No entanto, os valores são invertidos. Leopold não é nenhum herói do sentido exato da palavra; ele vaga pelas ruas de sua cidade como faz todos os dias. Em dezoito capítulos, ele revive, do seu modo, as peripécias da "Odisséia". Ele enfrenta os Cíclopes da ignorância, a tentação da calcinha da adolescente Nausícaa e a magia e sedução de Circe, representada por um animado prostíbulo.

Repleto de elementos autobiográficos, o próprio Leopold pode ser identificado com o Joyce maduro, enquanto que Stephen Dedalus (a mesma personagem de "O Retrato do Artista Quando Jovem) com o impetuoso e prepotende Joyce da juventude.

Considerado por alguns críticos como a obra mais importante do século XX, "Ulysses" é um monumento dos tempos modernos. Nela estão presentes todos os elementos, agradáveis ou insossos, deste século entremeado por duas grandes guerras - o antisemitismo, a erotização, o racionalismo cientificista, o adultério, as falsidade das relações sociais.

Para muitos, lê-la não é uma tarefa fácil, mas é certamente recompensadora.


7 comentários:


Anônimo disse...
Não li Ulisses...E não sei se conseguiria.Já fui muito interessado nesse tipo de mitologia, e até hoje dou o crédito aos contos gregos (e todos os outros similares) pelo fato de terem me inserido no lindo mundo da literatura... Mas quem sou eu pra dizer alguma coisa! adendo: ... Não entendi n-a-d-a do seu sistema de comentários! =) enfim, meu nome é Fábio, e o meu blog é o http://epistle.blogger.com.br/ ... Não repare, sou lerdo mesmo pra entender as coisas.

Anônimo disse...
Passasndo apra conferir (venho lá do Espancadores de Teclado). Seu comentário ao Ulisses é bom e tem o dom de despertar a curiosidade par alguém lê-lo, apesar de ter dito a verdade de que é uma leitura difícil. Uma braço, Alvaro. (http://sombrasesonhos.zip.net)

Henry Alfred disse...
Obrigado por seus comentários, Álvaro e Fábio. Devo confessar que eu também não entendi muito bem este sistema de comentários, já que estou utilizando o que o Blogger fornece. Mas quem estiver na dúvida, basta clicar em "Post Anonymously" e se identificar no final da mensagem (se quiser). Abraços para todos.

Raphael disse...
Olá, sou o Raphael, e estou na metade do livro. Concordo com o professor no que diz respeito a seus pensamentos confusos. Ainda assim, tenho muita dificuldade em lê-lo. Na verdade estou consultando quase que diariamente postagens, críticas e artigos na internet para compreender melhor a obra. Entratanto, toda essa complexidade incita-me a ler mais e mais Ulisses. Se alguém puder explicar mais coisas sobre a obra, agradeço, pois consultarei concerteza e me ajudará a entender melhor esse maravilhoso livro.

wellington disse...
Desde pequeno, sempre observava comentários acerca desta obra, de como ela é linda, em sua narrativa, mas outrossim, ouvia comentários acerca de suas dificuldades em lê-lo, no entanto, observando seus comentários, algo me fez despertar, de que a minha inércia, está me trazendo prejuizo no que concerne a apreciar uma grande obra.

Paulo Marques disse...
James Joyce é um gênio. Um divisor de águas na literatura. Paripasso a Guimaraes Rosa. Não se traduz uma alma.

Samuel Nebkheperure disse...
Ulisses, seja lá em que má tradução for, ainda não sei inglês pra ler o texto original, configura meu sonho de consumo literário. Muito já li a respeito da famigerada obra do irlandês James Joyce, e devo acrescentar que essa apresentação acima foi a mais animadora a respeito do texto, e não vejo a hora de pôr minhas mãos no livro pra desfragmentá-lo através de meu simplório intelecto de leitor curioso e voraz. Consoante tudo que já li a respeito de Ulysses acredito que sua leitura é uma verdadeira odisséia e se Joyce não escreveu com esse intuito em mente acabou por fixá-lo na obra casualmente. "
James Joyce

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Mundo de Sofia. Jostein Gaarder

Por Caio Caprioli 

"Comecei, há um tempão, a ler “O Mundo de Sofia“, escrito por Jostein Gaarder e publicado em 1991. Comecei a ler pelos seguintes motivos: o livro era superconhecido e eu não tinha noção do que se tratava. Acreditava que era algo sobre um mundo imaginário que Sofia vivia, ou até a forma com que a personagem encarava a vida. Errei.

O Mundo de Sofia é um livro disfarçado de literatura. Na verdade, trata-se de uma obra didática. O autor criou uma história baseada em uma menina prestes a fazer 15 anos de idade para dar aulas de filosofia. Para ensinar, literalmente, a criação, expansão, desenvolvimento e situação da filosofia. O livro começa com uma novela agradabilíssima, onde toda uma trama envolvendo Sofia e a sua caixa de correios nasce e se desenvolve, evolui. O começo é ótimo. Até que eu me senti na escola.

O filósofo misterioso começa a dar aulas da história da filosofia para a garota, que se torna fã da disciplina, deixando, ao final de cada ensinamento, pequenas lições de casa para Sofia. A forma como as aulas são escritas é ótima, porque o autor conseguiu, de um jeito legal e leve, escrever todo o desenvolvimento da filosofia no mundo. O problema é que a filosofia é complexa, é grande e é cansativa. Sócrates aparece, Platão aparece e todo o resto aparece. Daí… Eu tive que pular as aulas e ler só a trama. Não aguentei. Não consegui terminar.

Se você gosta de filosofia, do fundo do coração, leia “O Mundo de Sofia”. Caso contrário… Compre outra coisa."

Comentários do blog de origen:
  1. Giika Borges disse:
    Nossa, eu tentei também. Três vezes. Quando acabar os que estou lendo, vou parti pra ele de novo, não tenho muita certeza que vou conseguir D:
  2. Vanessa Olyver disse:
    rsrsrs… curioso… tbm gosto da trama, comecei a ler pelos mesmos motivos que os teus…rs mas enfim a coisa fica mais complicada e pra nao dizer chata e sem fundamento o aparecimento do filosofos… ja estou com ele a tres anos comecei a ler umas vinte vezes mas em nenhuma delas tive saco pra continuar…rs
    Bom enfim…
    gostei mto do blog… foi a primeira vez que passei por aqui… mas virei mais vezes com certeza…
    Abraços e parabens…


    Mariana disse...
    kkkkkkkkkk Realmente é cansativo, mas eu estou adorando! Apesar de ainda não fazer filosofia (8ª série) já amo a matéria. Eu ainda não estou no final do livro, mas já passei da metade. Na verdade já faz um ano que leio esse livro. Mas não vou desistir. kkkkkkkkkk tchau Adorei o blog! Também fiz um post sobre O Mundo de Sofia no meu blog: http://toalha-de-banho.blogspot.com/
    Gleicy Souza disse...
    Adorei o blog, e como amante de livros estarei sempre por aqui. Estou lendo "O Mundo de Sofia" e garanto, se conseguirem superar essa parte "chata" terão uma grata surpresa, e além disso, toda a parte chata fará sentido. Não desistam, valerá a pena!!
    JANDELZA disse...
    Já li o livro é muito bom,tbém não entendi nada no começo tive que voltar umas três vezes no inicio mas o li duas vez durante seis meses tentem realmente vale pena.
    Anônimo disse...
    Estou lendo esse livro e estou adorando! Na verdade essa é a segunda vez que leio. E, apesar da disciplina de filosofia ser, aparentemente, cansativa, é muito bom entende-la. Falo isso porque estudo Filosofia na UFRN. Abraço à todos!

    Assista ao filme: "O Mundo de Sofia" (1999)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Lavoura Arcaica. Raduan Nassar



Raduan Nassar é escritor contemporâneo, de narrativa ímpar, nascido em São Paulo, Pindorama. Filho de libaneses, é escritor contemplado até mesmo pela Academia Brasileira de Letras  com seu livro único Lavoura Arcaica, que pode ser considerado e comparado com uma obra de Rimbaud. Quiçá nem haja comparação plausível para o livro Lavoura Arcaica.

Estudou Filosofia, Direito, Ciências Sociais, e o curioso é que na fase do ensino médio, Raduan sofreu ataques de convulsão e ficou com deficiência de memória, o que fez com que o escritor premiado até no exterior  ficasse afastado dos estudos por algum tempo.

A estória de Lavoura Arcaica é, no mínimo histórica. Seu irmão Raja, único leitor de seus ensaios pegou seus manuscritos e mostrou para amigos da faculdade de Filosofia onde Raduan e seus cinco irmãos estudaram. Esses manuscritos acabam chegando às mãos de Dante Moreira Leite que os encaminha à editora Olympio. No ano seguinte, a José Olympio publica Lavoura Arcaica.

O livro ganha, em 1976, o prêmio Coelho Neto para romance, da Academia Brasileira de Letras, cuja comissão julgadora tinha como relator o crítico e ensaísta Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde). Recebe, ainda, o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (na categoria de Revelação de Autor) e Menção Honrosa e também Revelação de Autor da Associação Paulista de Críticos de Arte — APCA.

Em 1982, sai a edição espanhola de Lavoura Arcaica, pela editora Alfaguara, de Madri. Segunda edição do mesmo livro pela Nova Fronteira, do Rio de Janeiro. A Editora Gallimard, da França, lança Lavoura Arcaica e Um copo de cólera (outra obra prima do autor) num só volume, em 1984.

Em 1987 a editora Suhrkamp lança o livro Lateinamerikaner über Europa, uma coletânea de ensaios e depoimentos de escritores latino-americanos sobre a Europa, organizada por Curt Meyer-Clason, que inclui A corrente do esforço humano, de Raduan Nassar.

A revista espanhola El Paseante publica, em 1988, os contos Aí pelas três da tarde e O ventre seco (o primeiro seria publicado ainda na Folha de São Paulo em 1989 e o segundo, também neste ano no Jornal do Brasil).

Sai a terceira edição de Lavoura Arcaica, em 1989, pela Companhia das Letras, de São Paulo, hoje em sua quarta reimpressão. 

O Livro 

Preciso começar pela fantástica estilística de Raduan nesta obra eterna, uma narrativa subjetiva, narrada por André, filho do meio de uma família de camponeses. Este rapaz observa a vida, as tragédias e os sentimentos das pessoas da casa, mas seus olhos se detêm em sua irmã mais nova, Ana. Através de um amor livre de qualquer censura ou limite por esta irmã, André vai carpindo o horror analítico das relações humanas, compara o amor a uma aventura diabólica e se pergunta, de forma lírica e desesperada se ir-se embora daquela casa não seria melhor e menos trágico. Fascinante monólogo íntimo onde o leitor se vê um intruso nos sentimentos mais puros que um ser humano pode ter.

Esta novela trágica, merecidamente premiada e lida em todo o mundo, traz a marca indiscutivelmente sublime de Raduan Nassar narrar a história da vida, as amarguras, os anseios e as dúvidas que habitam as almas em seus recantos mais escuros, guardados em segredo pela ética e moral que o personagem André, de Lavoura Arcaica, questiona do começo ao fim do livro. São cem páginas para serem lidas sem respirar, não procure parágrafo nem muitos pontos finais, pois André está no fim da linha de seus pensamentos, no meio do nada, no meio do mato, em meio a angustiante e complexo amor.

Lavoura Arcaica é livro obrigatório, faz parte da vida de pessoas em todo o mundo e nosso autor é comparado, de certa forma, a Rimbaud que abandonou sua arte para viver como mercenário na África. Mas nosso Raduan Nassar, embora também tenha desistido de escrever para espanto do mundo literário mundial, gosta de ser visto até os dias atuais como escritor, mesmo tendo se tornado um simples criador de galinhas em sua fazenda no interior de São Paulo.

Críticos e analíticos da Literatura se perguntam por que Raduan Nassar teria se afastado da escrita, da manipulação do verbo. Muitos especulam que em Lavoura Arcaica, o escritor tenha deixado expor excessivamente seu interior. Quem lê este livro pode entender alguma coisa do que escrevi aqui. É fascinante, fantástico, uma prova de que o homem, o escritor pode desdobrar barreiras de tabus e preconceitos que nós, simples mortais, jamais imaginaríamos. E toda estória é narrada de forma lírica, trágica, incomum e muito bela. Sem igual. Eu li duas vezes e virou meu consultor de vida nas horas de angústia e questionamentos. Emocionantemente belo. E tragicamente lírico.

Infelizmente Raduan Nassar não soube lidar com o sucesso. Resolveu trocar a estética complexa e desregrada do verbo pela mecânica suave e simples da avicultura. Lamentável. 

Obras de Raduan Nassar
Editadas em livro:

Traduções:

Para o espanhol:
  • Labor arcaica (Lavoura arcaica), tradução de Mario Melino, Madri, Alfaguara, 1982

Para o alemão:
  • Mädchen auf dem Weg (Menina a caminho), tradução de Karin von Schweder-Schreiner, Colônia, Kiepenheuer & Witsch, 1982 (in — Schreiner, Kay-Michael (org.) – Zitronengras. Neue brasilianisch Erzähler.
  • Eub Glas Wut (Um copo de cólera), tradução de Ray-Güde Mertin. Frankfurt, Suhrkamp, 1991, 2a. edição em 1991
  • Nachahmung und Eigenwert (A corrente do esforço humano), ensaio, tradução de Ray-Güde Mertin. In —, Meyer-Clason, Curt (org.). Lateinamerikaner über Europa. Frankfurt, Suhrkamp, 1987. Inédito em português.
  • Das Brot des Patriarche (Lavoura Arcaica), tradução de Berthold Zilly, Suhrkamp – Frankfurt, 2004.

Para o francês:
  • Un verre de colère suavi de La maison de la mémoire (Um copo de cólera seguido de Lavoura arcaica). Tradução de Alice Railard, Paris, Gallimard, 1985.
Cinema:
Raduan Nassar
  • Um copo de cólera. Roteiro. Por Aluizio Abranches e Flávio R. Tambelllini, 1995.
  • Lavoura Arcaica: Direção e roteiro de Luiz Fernando Carvalho, estrelado por Seltom Mello, Leonardo Medeiros, Simone Spoladore, Raul Cortez e Juliana Carneiro da Cunha. Fotografia de Walter Carvalho. Trilha sonora:Marco Antônio Guimarães. Prêmios: Melhor Contribuição Artística – Festival de Montreal – Canadá – 2001; Prêmio Especial de Júri: Festival de Biarritz – 2001; Prêmio do Público: 25a. Mostra BR de Cinema – São Paulo – 2001; Prêmio Ministério da Cultura – Festival Rio-BR 2001.

Há, ainda, um sem número de artigos publicados em jornais e revistas, dissertações universitárias e entrevistas e depoimentos concedidos pelo autor.


Fonte: http://www.lendo.org/lavoura-arcaica-raduan-nassar

sábado, 14 de agosto de 2010

Admirável Mundo Novo. Aldous Huxley


Aldous Huxley
“O Admirável Mundo Novo: Fábula Científica ou Pesadelo Virtual?

          Por Maria Clara Corrêa Tenório [*]
  
 cientificamente possível é eticamente viável? O Admirável Mundo Novo, escrito por Aldous Huxley em 1931 é uma “fábula” futurista relatando uma sociedade completamente organizada, sob um sistema científico de castas. Não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento; a servidão seria aceitável devido a doses regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos durante o sono. Olhando o presente, podemos imaginar um futuro semelhante em termos de avanços tecnológicos. Será ele de excessiva falta de ordem, da ordem em excesso preconizada por Huxley  ou já vivenciamos o pesadelo virtual de Matrix, a fábula cinematográfica atual?

Outro dia assisti a um filme de ficção científica no cinema, e, em dado momento um dos atores exclamou estupefato: “É o Admirável mundo novo!”, numa clara referência ao “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley. O filme, “O Homem sem Sombra” tratava de um grupo de cientistas subsidiados pelo governo dos Estados Unidos, que realizava experiências genéticas visando conseguir tornar seres vivos invisíveis, através de um processo de decomposição celular. O ator principal acaba realizando a experiência em si mesmo e sua personalidade se transforma, ou melhor, as características negativas de sua personalidade afloram e o dominam. A partir desse momento muitas atrocidades acontecem.

Esse filme confesso, não é daqueles que costumo assistir. Não sou fã de ficção científica, embora alguns autores possam dizer que já estejamos vivendo uma “ficção”. No entanto, fez-me refletir sobre a condição humana e todo o relativo “progresso” que a humanidade tem alcançado neste curto espaço de tempo que vai da Revolução Industrial aos dias atuais. Se por um lado, as conquistas humanas são uma maravilha que nos assombra, por outro, corremos sérios riscos de hipervalorizar tais conquistas e esquecer os limites da dimensão humana. Surgem, questionamentos éticos e mesmo existenciais aos quais não podemos nos furtar de responder: Haveria um limite para o desenvolvimento humano? Se há qual seria ele? Quem vai impor esses limites? O que é cientificamente possível é eticamente viável? Para onde caminha a humanidade? Se a destruição é inevitável o que podemos esperar? Se ela pode ser evitada como isso será possível? Até que ponto o homem é senhor de si mesmo?

Observando a rapidez com que as inovações têm se sucedido é impossível não compararmos esse nosso mundo, que a cada dia traz algo de novo, com o “Admirável Mundo Novo” que Aldous Huxley idealizou, há cerca de 70 anos, em 1931. A obra é uma “fábula” futurista de uma sociedade completamente organizada, sob um sistema científico de castas, onde a vontade livre fora abolida por meio de um condicionamento metódico, a servidão tornou-se aceitável mediante doses regulares de felicidade quimicamente transmitida pelo “Soma” (a droga liberado do futuro), e onde as ortodoxias e ideologias eram “propagandeadas” em cursos noturnos ministrados durante o sono.

Nesse livro, o autor mostra sua visão do futuro e profetiza um mundo bem diferente do que existia em sua época. Para ele, em 1931 vivia-se o pesadelo da excessiva falta de ordem, enquanto a sua fábula no século VII d. F (depois de Ford) seria o pesadelo da ordem em demasia. Segundo ele próprio constata no seu Regresso ao Admirável Mundo Novo, escrito vinte e sete anos depois, em 1957, aquilo que ele imaginava num futuro distante, ou seja, as profecias feitas em 1931 já começavam a se realizar mais depressa do que ele pensava  e “O abençoado intervalo entre a excessiva falta de ordem e o pesadelo da ordem em excesso não começou e não dá sinais de começar”. (HUXLEY, 1957: 16).

Como ressaltei, Huxley profetizou em Admirável Mundo Novo, uma civilização de excessiva ordem onde todos os homens eram controlados desde a geração por um sistema que aliava controle genético (predestinação) a condicionamento mental, o que os tornava dominados pelo sistema em prol de uma aparente harmonia na sociedade. Não havia espaço para questionamentos ou dúvidas, nem para os conflitos, pois até os desejos e ansiedades eram controlados quimicamente pelo “Soma”, sempre no sentido de preservar a ordem dominante. A liberdade de escolha estava restrita a poucas matérias da vida.  As castas superiores eram decantadas em betas, alfas e alfas + e se originavam de óvulos biologicamente superiores, fertilizados por esperma biologicamente superior, recebendo o melhor tratamento pré-natal possível. Já as castas inferiores, bem mais numerosas, recebiam um tratamento diferenciado: provinham de óvulos inferiores, fertilizados por esperma inferior, passavam por um processo denominado Bokanovsky (noventa e seis gêmeos idênticos retirados de um só ovo) e eram “tratados pré-natalmente, com álcool e outros venenos proteínicos”.  (Huxley, 1957: 39)

Pontos convergentes são encontrados no recente filme de ficção científica Matrix, que explora a perspectiva futurista numa dimensão virtual. Nessa “fábula” moderna, os indivíduos também são decantados de incubadoras, mas tudo se passa na mente humana. A realidade não existe, pois tudo se torna virtual. Os homens gerados nas incubadoras são meio-máquinas, como as castas baixas do Admirável Mundo Novo, assimilam conhecimentos através de programas de informática avançada. Porém, há uma inversão: não são mais as máquinas que são programadas pelos homens e sim, os homens é que estão sujeitos à dominação da máquina, dos robôs e são mantidos alheios a essa realidade. O filme faz-nos questionar se nosso mundo é real ou se já estamos vivendo um mundo imaginário na mente de algum computador central.

A meu ver, constitui-se numa superação do Admirável Mundo Novo de Huxley. Nessa visão, o mundo organizado e perfeito não prescinde de conflitos existenciais e frustrações, guerras e embates sociais. Em Matrix um dos robôs andróides explica que a experiência de se evitar qualquer frustração nos homens não tinha dado certo e por isso fora criada uma nova Matrix, melhor elaborada, que abrigava inclusive os problemas, as guerras, as falhas, as frustrações, as dores humanas. Incrivelmente, satisfaz-se até a “necessidade” de frustração, entendida também como uma necessidade humana. Para que as pessoas não percebam que aquela é apenas uma realidade virtual, criada pelos computadores, todos são levados a um estado de semi-consciência do real que lhes induz a ver o imaginário como real. É como se estivemos sonhando ou tendo um pesadelo sem fim. Só alguns poucos mortais fogem a esse padrão e tentam subverter a ordem estabelecida. Sendo constantemente perseguidos e severamente castigados.

O que difere  Matrix  da “fábula” de Huxley é que lá o mundo não mais está sendo governado por homens e sim por máquinas robôs, tendo como sua matriz, o computador. Todos vivem dentro de uma ordem estabelecida, mas não por alguns homens em detrimento dos outros e sim pelo computador que governa quase todas as mentes humanas. Entretanto há um aparente caos, enquanto que nessa última o caos foi quase todo eliminado, o mundo civilizado dominou o mundo selvagem.

Essas “fábulas científicas”  atuais e antigas guardam entre si um ponto de comunicação: todas apontam para uma desumanização do homem, uma morte do indivíduo, embora de pontos de vista diferenciados.  

Se o futurismo de Huxley nos faz refletir sobre os caminhos da nossa civilização,  afinal, sete décadas se passaram, muita coisa mudou, algumas “profecias” tornaram-se realidade, (é o caso da concepção de proveta e dos vários sistemas de condicionamento), Matrix nos apresenta o avesso da civilização, num mundo onde o real e o virtual se confundem e nos alerta para os perigos que a revolução informática e robótica podem gerar. Um mundo onde o homem deixa de ser senhor de sua história e deixa-se controlar pela máquina que ele mesmo criou.

Ambos têm em comum a dominação do espírito humano que no Matrix é a absorção e criação total da mente humana e no Admirável Mundo Novo é perda total da individualidade pelo coletivo, determinada por fatores genéticos e condicionamento constante, controlada pelos donos do poder. A repressão ao elemento subversivo é fundamental nos dois mundos para sua manutenção, garantindo o equilíbrio.

Outras realidades sequer sonhadas por Huxley vieram à tona, já citamos a revolução informática, a internet que alterou profundamente o sistema de comunicações no planeta e na própria genética. Nesse sentido, Matrix inovou, trouxe a discussão de Huxley à tona adaptada à realidade presente ao enfocar o mundo virtual.

 No campo genético, as atuais descobertas científicas deixariam Huxley, talvez não admirado, mas no mínimo perplexo com os rumos tomados pela ciência. O avanço no campo genético da produção de sementes é incrível! Isso já era abordado em outro livro que li, do qual me recordo somente o título “Os Dentes Brancos da Fome” que discutia a problemática das sementes híbridas, sua comercialização mundial controlada por monopólios, e sua utilização como arma nos estados de guerra. A história ocorreria em 1981 e como 1984  de Orwell, outra obra futurista, suas terríveis profecias, não se concretizaram na época prevista.

Hoje a discussão centra em torno dos alimentos transgênicos e dos remédios genéricos. Mas a descoberta revolucionária do século talvez seja a decodificação da cadeia de DNA, que concedeu o Prêmio Nobel da Ciência aos seus cientistas, ou seria o fenômeno “dolly”? O clone?  Embora Huxley pudesse ter previsto a reprodução humana em série através de eugenia e do seu contrário, produzindo um número considerável de gêmeos idênticos, ele não previu a clonagem. A reprodução de um ser vivo a partir de células aleatórias em outro ser vivo portador das mesmas cargas genéticas do primeiro. Isso já é possível devido às novas descobertas da reengenharia genética, que envolveram os estudos sobre o DNA.

As novas descobertas se sucedem e já não se pode, a meu ver, falar em “descoberta do século”. O século todo tem sido uma sucessão de descobertas e conquistas humanas. Da fabricação da bomba H, que Huxley só veio a conhecer bem depois da edição do Admirável Mundo Novo, temos uma sucessão de acontecimentos: o homem pisou na Lua,  desvendou parte do universo através dos satélites, realizou missões a planetas distantes através de sondas. Chegou a Marte. As guerras modificaram o perfil da história e hoje vivemos mais do que nunca o terror da destruição total, da guerra nuclear, que não se resolve com as políticas internacionais de desarmamento nuclear.

Vivemos na era da informática e da robótica e o Planeta Terra transformou-se, como dizem, numa “aldeia global” com os avanços da internet. Contraditoriamente, não conseguimos dialogar com as pessoas com quem vivemos, com nossos vizinhos. O homem torna-se cada vez mais solitário. A internet eliminou distâncias, porém, não superou o preconceito, as diferenças sociais gritantes, os conflitos étnicos, as lutas e classe e pelo poder.

No Retorno ao Admirável Mundo Novo, Huxley retoma algumas de suas hipóteses sobre o futuro que não podemos deixar de considerar. Ao perceber a rapidez com que elas estão ocorrendo já em 1957, ele se assusta, afinal sua “fábula futurista” ou “profecia” deveria ocorrer no VII século depois de Ford!

No entanto, esse segundo livro é bem mais que um retorno a sua obra, é uma análise da civilização humana e da sociedade contemporânea através da percepção da utilização das várias descobertas científicas e das experiências desenvolvidas no decorrer de quase três décadas. No prólogo o autor nos informa que se propõe a discutir o problema da liberdade e da individualidade humana, que vê ameaçada.

Se a questão central é a liberdade, ela será abordada, segundo ele, com certa superficialidade correndo o risco de ficar incompleta, nesse seu livro, sob três óticas: a superpopulação, a super-organização, que conduz à impessoalidade; e as várias formas de condicionamento humano, para ao final questionar sobre as saídas possíveis, dentre elas a educação para a liberdade.

O autor começa dizendo que a base dos problemas tem caráter biológico. Há um controle da mortalidade, mas é muito difícil um controle da natalidade. Huxley parece convencido de que é necessário um controle da natalidade mundial para evitar a falta de alimentos futura. Reporta-se ao seu Admirável mundo novo para exemplificar uma possível, porém questionável, solução para o problema:

“No Admirável Mundo Novo da minha fábula o problema do número de seres humanos na sua relação com os recursos naturais, foi efetivamente resolvido. Foi calculado um número ótimo para a população mundial e a totalidade da população ia sendo mantida nesse nível (um  pouco abaixo de dois bilhões, se bem me recordo), geração após geração. No mundo atual o problema não foi resolvido” (HUXLEY, 1957: 25)

Em 1957 quando o autor escreveu seu segundo livro a humanidade beirava dois bilhões e oitocentos milhões de homens, hoje já passamos de seis milhões. Em uma década a humanidade cresceu 1/5, isso já era previsto por Huxley e o angustiava. Além da falta de alimentos e escassez de recursos naturais o autor preocupava-se com a desumanização que pode transformar a humanidade em massa passiva nas mãos de “ditadores” e “ditaduras totalitárias”, uma afronta, na sua concepção,  aos regimes democráticos.

Segundo ele “É contra este sinistro pano de fundo biológico que todos os dramas políticos, econômicos, culturais e psicológicos do nosso tempo se desenrolam”. (Huxley, 1957: 26) Acreditava que a Era Espacial não iria resolver o problema de superpopulação e que não resolvido este problema todos os outros seriam insolúveis.

Hoje, na virada do século, também nós não temos uma idéia clara do que seria a povoação dos outros planetas.  A tecnologia avançou, mas ainda não possibilitou empreender tamanha façanha. Estamos adormecidos para os problemas gerados pela degradação do meio ambiente, embora surjam inúmeros grupos ecológicos. Por outro lado, fica a pergunta: quais os limites da liberdade humana? Se temos que pagar um preço quem deve começar?  O controle da natalidade é necessário, mas quem vai abrir mão do direito à fertilidade? Recorreríamos ao pesadelo do Admirável Mundo Novo, para nos espelhar e construir uma civilização, onde a maioria dos seres humanos fossem estéreis? Aos nossos olhos parece abominável conceber tal civilização. Ou será que não? Ou será que nossos bisnetos, quem sabe até mesmo nossos netos, não vão encarar isso como normal? Seria um retorno às teorias darwinistas? 

Huxley nos oferece uma visão geral das razões da estreita correlação entre gente em excesso, gente que se multiplica rapidamente, a formulação de filosofias autoritárias e o nascimento de sistemas totalitários de governo. A mim essa explicação não convence porque está recheada do determinismo de Darwin.

Para ele:
“Nem todas as ditaduras surgem da mesma maneira. Há muitos caminhos que vão dar ao Admirável Mundo; mas, o mais direto e mais amplo de todos eles talvez seja o caminho por que tomamos agora, o caminho que passa por entre números gigantescos de seres humanos e seu aumento acelerado”. (HUXLEY, 1957: 28)

Citando alguns dados que, segundo ele, apontam para essa sua constatação, diz entre outras coisas que, a melhoria das condições de vida nos países “subdesenvolvidos” gera outro problema, que é a insatisfação de novas necessidades e que nesses países não há capital disponível para investimentos na produção agrícola e industrial, na educação, na cultura, embora neles a população tenda a aumentar gradativamente em proporções alarmantes, gerando conflitos que levarão o governo desses países a uma concentração cada vez maior de poder.

E justifica:
“A superpopulação conduz à insegurança econômica e à intranqüilidade social. Intranqüilidade e insegurança conduzem a maior controle por parte dos governos centrais e a um aumento do poder deles. Na ausência de uma tradição constitucional, este poder reforçado será provavelmente exercido de forma ditatorial”. (HUXLEY: 1957:  32-33)

É uma suposição, mas não a única. Se assim fosse, os rumos políticos de nossa história teriam sido outros. Huxley acreditava que: “O problema da relação entre o número total de seres humanos, que aumenta rapidamente,  os recursos naturais, a estabilidade social, e o bem-estar dos indivíduos, - é agora o problema central da humanidade” (HUXLEY, 1957:  26)

Mas nos parece que ele, agora já tendo vivido a experiência do nazismo e do stalinismo,  preocupa-se mais com a possibilidade de uma ditadura totalitária, não nos moldes semi-violentos do Admirável Mundo Novo, mas semelhante à obra 1984 de Orwell, com a qual estabelece comparações. Ele descarta a possibilidade dessa última via ser seguida pela humanidade, pois segundo ele:

“A recente  evolução na Rússia, e avanços recentes no campo da ciência e da tecnologia retiraram ao livro de Orwell uma parte da sua horrenda verossimilhança. Mas sustentando neste momento que as Grandes Potências podem abster-se algum tanto de nos destruírem, é lícito dizer que tudo se apresenta agora como se todas as vantagens pareçam mais a favor de algo como o Admirável Mundo Novo do que de algo como 1984” (HUXLEY, 1957: 18)

Para reforçar a idéia ele lança mão dos conhecimentos sobre o comportamento humano, que demonstra que:
“O controle do comportamento indesejável por intermédio do castigo é menos eficaz, no fim das contas, do que o controle por meio  de reforço do comportamento desejável mediante recompensas.” (HUXLEY, 1957: 18)

Pois, “... a punição trava temporariamente o comportamento indesejável, mas não suprime definitivamente a tendência da vítima a sentir-se bem ao comportar-se desse modo.” (idem)

Estabelecendo uma relação entre os dois mundos imaginários  Huxley retrata-os sinteticamente:
“A sociedade descrita no ‘1984’ é uma sociedade controlada quase exclusivamente pelo castigo e pelo medo do castigo. No mundo imaginário da minha própria fábula, o castigo não é freqüente e é, de um modo geral, suave. O controle quase perfeito exercido pelo governo é realizado pelo reforço sistemático de comportamento desejável, por numerosas espécies de manipulação quase não-violenta, tanto física como psicológica, e pela estandardização genética”. (HUXLEY, 1957: 19)

O Huxley sob a influência do espírito anticomunista que se instalou após a segunda guerra mundial tem uma posição totalmente contrária ao comunismo expressa, a seguir:
“E a crise permanente é o que temos a esperar num mundo em que a superpopulação está a produzir um estado de coisas em que a ditadura, sob os auspícios comunistas, se torna quase inevitável”. (HUXLEY, 1957: 35)

Essa posição avessa vai aparecer em todo o Retorno. Será seu principal exemplo, com o qual fará inúmeras relações ao estudar o desenvolvimento do jovem ditador e das novas ditaduras.

Sua obra manterá uma posição crítica desfavorável ao sistema soviético, expressa em inúmeras passagens, mas contundente nesta:

“Na Rússia, a ditadura fora de moda, estilo 1984, de Stalin, começou a dar lugar a uma forma mais atualizada de tirania. (...) O sistema soviético combina elementos de 1984 com elementos que profetizam o que se passava entre as castas mais elevadas no Admirável Mundo Novo.” (HUXLEY, 1957: 20-21)

Muita coisa mudou depois da publicação de seu Retorno. Ele escrevia em plena guerra fria. Com as duas Alemanhas divididas e uma Rússia forte, fazendo frente ao poderio econômico americano. Estava na moda criticar o regime comunista russo. Não podemos nos esquecer, que apesar de Huxley ter uma visão além de seu tempo, foi um homem em seu tempo. Não havia a Guerra da Vietnã, do Golfo Pérsico, a queda do muro de Berlin, não se esperava a fragmentação da Rússia, a guerra das etnias na antiga Rússia favorecendo ainda mais o interesse de uma hegemonia americana. Não se havia estabelecido o Mercado Comum Europeu, com a União Européia, fatos históricos imprevistos que modificaram a geografia e a política da Europa, sem falar nas inúmeras revoluções acontecidas nas últimas décadas nos “países subdesenvolvidos”, para usar uma expressão do próprio Huxley. Enfim, não chegou a acontecer, como ele havia apostado em 1957:

“... daqui a vinte anos, todos os países subdesenvolvidos e superpovoados do mundo estarão sob uma forma de domínio totalitário – provavelmente exercido pelo Partido Comunista”. (HUXLEY, 1957: 33).

O autor do Retorno reconhecia que o Ocidente dependia, como ainda hoje depende, dos países periféricos para suprirem suas necessidades se e alertava que se as ditaduras futuras lhes fossem hostis eles teriam que arcar com as conseqüências de possuírem demasiada população num território demasiado pequeno.

Huxley não aprofunda o raciocínio em termos econômicos, dá apenas algumas pistas. Seu raciocínio ficou quase inteiramente restrito ao campo científico.  Trabalha nos seus capítulos subseqüentes todos os mecanismos existentes em seu tempo, que poderiam levar ao condicionamento humano e à dominação da civilização humana por ditaduras autoritárias.

Porém, a ciência, como o próprio autor vislumbra, não é apolítica, tem sido usada para favorecer os interesses dos dominantes. Estamos longe da República de Platão, governada pelos cientistas em prol da humanidade. Embora se posicionando contra toda forma de autoritarismo, o autor não faz nenhum questionamento mais sério sobre as profundas divisões estruturais do trabalho, coaduna com elas. Tanto é verdade que aventa a possibilidade de tratamentos diferenciados para os países do terceiro mundo, ou subdesenvolvidos. Denota-se que sua preocupação básica é com o ocidente e os riscos e uma ascensão Russa:

“Se a superpopulação conduzir os países subdesenvolvidos ao totalitarismo, e se essas novas ditaduras se aliassem com a Rússia, então a posição militar dos Estados Unidos tornar-se-ia menos segura e os preparativos de defesa e retaliação teriam de ser intensificados. (...) e a crise permanente é o que temos a esperar num mundo em que a superpopulação está a produzir um estado de coisas que a ditadura, sob os auspícios comunistas se torna quase inevitável”. (HUXLEY, 1957: 35)

Voltemos ao capítulo dois do seu Retorno. Nele o autor recorda o controle de natalidade adotado em sua “fábula”  Admirável mundo novo. Lá os indivíduos eram gerados numa série de frascos (provetas), originários de óvulos de acordo com as castas a que pertenciam, e sofriam desde o começo da vida uma espécie de separação biológica por classes. Huxley, parece concordar com uma espécie de classificação da espécie humana quando critica a falta de uma política global de controle de natalidade, associando a superpovoação ao declínio da raça humana.

Podemos depreender isso de suas própria palavras:

“Nesta segunda metade do século XX, nada fazemos com caráter sistemático pela nossa procriação; mas,  com o nosso modo ocasional e irregular, estamos não somente a superpovoar o nosso planeta, mas também, parece, procedendo seguramente para que estas massas de população cada vez maiores, sejam das mais pobres de qualidade biológica”. (HUXLEY, 1957: 40)

E continua, associando declínio da saúde média, subdesenvolvimento, superpovoamento à ausência de democracia, fazendo suas as palavras do Dr. W. H. Sheldon:

“E a par com um declínio da saúde média bem pode ir um declínio na inteligência média. Na verdade algumas autoridades competentes estão convencidas de que tal declínio já ocorreu e está a continuar. ‘Sob condições que são fáceis e irregulares’, escreve o Dr. W. H. Sheldon, ‘as nossas melhores camadas tendem a ser subvertidas por outras que lhes são inferiores sob todos os aspectos...’ (...)  Num país subdesenvolvido e superpovoado, onde quatro quintos da população recebe menos de duas mil calorias por dia e um quinto goza de uma dieta adequada, podem as instituições democráticas nascer espontaneamente? Ou se fossem impostas de fora, ou de cima, poderiam sobreviver?”. (HUXLEY, 1957: 41)

Não podemos deixar de nos questionar, enquanto pertencentes um país “subdesenvolvido”, qual seria o seu paradigma para diferenciar “camadas superiores” da população de “camadas inferiores”? Não estaria aí implícita a idéia de raças superiores e inferiores? O ideal de Hitler que ele abomina? O autor faz-se questionamentos e aponta para dilemas éticos que só exprimem ainda mais seu tom sectário ao questionar.

O fato é que o autor do Retorno associa superpopulação com impossibilidade de gestação da Democracia. Chega a ridicularizar aqueles que pensam numa transformação social que leve a sociedade a uma maior harmonia pela via da solidariedade. Ele trabalha a lógica do capital e condena essa lógica por aquilo que tem de mais vil que seria o privilégio de poucos em detrimento de muitos, mas cristaliza as relações internacionais da forma que se apresentam na ordem mundial dominante. Talvez por acreditar cegamente que a democracia nos moldes americanos era o melhor.

Ele propõe-se um questionamento ético, nascido da inversão do problema moral:  se os bons fins não justificam os maus meios, os bons meios justificam os maus fins?  Seu questionamento não deixa de estar impregnado de certo preconceito darwinista, como já afirmamos:

“E que dizer acerca dos organismos congenitamente insuficientes, que a nossa medicina e os nossos serviços sociais agora preservam, de modo tal que eles podem propagar a sua espécie? Ajudar os desafortunados é obviamente bom. Mas, a transmissão maciça, aos nossos descendentes, dos resultados das mutações desfavoráveis, e a contaminação progressiva da reserva genética de que os membros da nossa espécie terão de beber, não é menos obviamente mal” (HUXLEY, 1957: 43)

Mas, como se a história dos homens não fosse a história da luta de classes e não se desse em bases materiais, a solução de Huxley seria a “via média”. O autor deixa no ar o que venha a ser isso. O que surpreendente numa obra futurista que disseca sob muitos aspectos as estruturas germinais de uma dominação de massas que culminaria com a perda total da liberdade e autonomia humana, com a desumanização ou robotização do ser humano, é que ela não questiona em nenhum momento a posição dos vários países em relação aos outros, a hegemonia de umas nações sobre outras.

No capítulo 3 de seu Retorno, o autor discute mais a fundo a super-organização. Como tudo tem seu preço, o homem do Ocidente, não a civilização humana como um todo,  terá que pagar pelo progresso técnico que conquistou. Ele acreditava que na virada do século o a maioria da humanidade estaria tendo que escolher entre a anarquia e o controle totalitário. Essa “profecia” não se concretizou, a queda do Muro de Berlim nos faz pensar que isso hoje, não será mais possível.

No entanto, Huxley é atual ao refletir sobre a falência dos pequenos diante dos grandes e a quantidade de poder que se concentra gradativamente nas mãos de poucos, como fator preocupante. Tomemos os oligopólios e os quartéis que têm sido formados pelas empresas multinacionais.  Huxley atribuía essa concentração à tecnologia moderna:

“Vemos, pois, que a tecnologia moderna tem conduzido à concentração do poder econômico e político, e ao desenvolvimento de uma sociedade controlada (implacavelmente nos estados totalitários, polida e imperceptivelmente nas democracias) pelo Alto Negócio e pelo Alto Governo.” (HUXLEY, 1957: 51)

Nas suas palavras...
“Física e mentalmente, cada um de nós é único. Qualquer cultura que, no interesse da eficiência ou em nome de qualquer dogma político ou religioso, procura estandartizar o indivíduo humano, comete um ultraje contra a natureza biológica do homem” (HUXLEY, 1957: 53)

Voltemos ao Admirável Mundo Novo e vislumbremos aqueles operários estandartizados em castas, cujos inferiores são semi-humanos e gêmeos trabalhando nas fábricas sempre indiferentes a sua sorte, tranqüilizados pelo “Soma”.

Não queremos crer que isso possa ser possível em nossos dias, mas as pesquisas genéticas avançaram. É assustador, mas dispomos de tecnologia e de conhecimentos científicos que tornam perfeitamente provável a fabricação dessa espécie de “semi-homem”, que tanto horrorizou o Selvagem, no Admirável Mundo Novo. O clone é uma realidade a nos pesar sobre as cabeças. Faz-nos questionar até que ponto podemos ir ?  Quais os limites do homem? O biologicamente possível é eticamente correto? São debates éticos que se travam nos meios científicos, mas aos quais não podemos, embora leigos, ficar alheios.

Como Huxley podemos criticar a “vontade de ordem”, esse desejo de gerar harmonia, essa espécie de instinto intelectual, impulso primário e fundamental do espírito que “pode transformar tiranos aqueles que aspiram meramente a desfazer a confusão” reinante.

Huxley nos indica que a organização ao extremo pode ser fatal para a liberdade que nasce da “comunidade auto-regulamentada de indivíduos que cooperam livremente”. Pois sufoca o espírito criador e elimina a própria possibilidade da liberdade.”(HUXLEY, 1957:  56)

Ainda nesse capítulo Huxley define o homem como um ser moderadamente gregário, portanto, não completamente sociável. Por isso “a civilização é um processo “pelo qual os bandos primitivos são transformados num análogo, grosseiro e mecânico, às comunidades orgânicas dos insetos sociais”. E assim, “por mais funda que seja a tentativa, os homens não podem criar um organismo social, apenas podem criar uma organização”. (HUXLEY, 1957: 58)

E mais uma vez em sua obra, surgem as diferenças entre o Admirável Mundo Novo e 1984  de Orwell. É o próprio Huxley quem as determina. Na sociedade em guerra de 1984 o objetivo primeiro dos governantes é o de exercer o poder para seu gozo e em segundo lugar, manter os seus súditos num estado de tensão constante, sexualmente os membros do Partido são levados à abstinência, enquanto no Admirável Mundo Novo qualquer pessoa tem o direito de satisfazer os seus desejos sem constrangimento, pois a guerra foi eliminada e o primeiro objetivo dos que conduzem a sociedade é impedir que os súditos causem quaisquer perturbações. Conclui-se então que “Em 1984 o desejo de poder é satisfeito infringindo-se o sofrimento; no Admirável Mundo Novo, infringindo um prazer pouco menos humilhante”. (HUXLEY, 1957: 62)

Como já vimos Huxley claramente prefere este segundo modelo. E para nós, qual é a pior forma de dominação? Aquela visivelmente violenta ou a camuflada? São as nossas contradições presentes.

Huxley desvenda a propaganda numa sociedade democrática, demonstrando como ela pode ser extremamente manipuladora. Estabelece a diferença entre a propaganda racional e a irracional. Em sua opinião, a primeira conduz à reflexão, à consciência e à verdade, a segunda utiliza-se das paixões cegas, dos medos inconscientes do expectador para, através da mentira para enganá-lo.

Mas para ele, a comunicação com as massas, “não é boa nem má, é simplesmente uma força” que pode ser bem ou mal usada.

Daí os processos de censura políticos e econômicos serem semelhantes em seus fins:
“No leste totalitário há uma censura política, e os meios de comunicação com as massas são controlados pelo Estado. No Ocidente democrático há a censura econômica e os meios de comunicação com as massas são controlados pela ‘elite do Poder’”.(HUXLEY, 1957)

O problema detectado por Huxley é que a indústria da comunicação já não se ocupa nem com a verdade, nem com o falso, mas com o irreal.  E mais uma vez recorremos ao Admirável Mundo Novo onde “as distrações ininterruptas da mais fascinante natureza são deliberadamente usadas como instrumentos de governo, com o objetivo de impedirem o povo de prestar demasiada atenção  às realidades da situação social e política”. (HUXLEY, 1957:  82)

O Selvagem, personagem do Admirável Mundo Novo resgatado de uma reserva de “pré-civilizados”,  percebe isso com nitidez, pois olhando aquela civilização de fora tem condições de detectar o que os seres extremamente condicionados não vêem. Daí sua revolta e tentativa de “libertá-los” do  “soma”.

Ao tratar da propaganda sob uma Ditadura, ele assevera que o sistema totalitário, no período de moderno desenvolvimento, pode dispensar os homens altamente qualificados que pensam e agem livremente, graças aos modernos meios de comunicação de massa. “O Grande Irmão pode ser agora tão onipresente como Deus.” (HUXLEY, 1957:  89)

O autor fala do “veneno gregário”, uma droga ativa e exultante utilizada e explorada por Hitler “em proveito dos seus próprios objetivos”. (HUXLEY, 1957: 95)

Sobre a estratégia de Hitler, que inspirou outros ditadores, Huxley é ferrenho:
“Hitler explorava e utilizava sistematicamente os temores e esperanças secretas, os desejos, as ansiedades e frustrações das massas alemãs (...) induziu as massas alemãs a comprarem elas próprias um Fürher, uma filosofia insensata e a Segunda Guerra Mundial”. (HUXLEY, 1957: 96) .

Porém se define com uma fina percepção a estratégia de Hitler, Huxley peca ao considerar toda a filosofia contrária ao capitalismo no mesmo nível. Confunde dogmatismo e ideologia igualando a Escolástica, ao Fascismo e ao Marxismo.

Com atualidade o autor desvenda admiravelmente, em algumas páginas, a linguagem simbólica utilizada nos comerciais, que visam atingir o ponto fraco de seu público alvo, principalmente no campo da propaganda política. “Os vendedores de política apelam apenas para a fraqueza dos eleitores, não para sua força potencial” (HUXLEY, 1957: 122)

Tendo passado por um processo eleitoral recente podemos, a princípio, concordar com ele, pois às vésperas das eleições municipais, desse país “periférico”, em que vivemos, pudemos constatar assombrados o quanto esse mecanismo de manipulação foi utilizado por alguns candidatos visando cercear a liberdade, denegrindo a imagem alheia e explorando o medo irracional da população. Por outro lado, esse mesmo mecanismo de “dominação das massas” pode ser questionado atualmente sob o ponto de vista da sua eficácia, diante da enorme mobilização nacional nessas mesmas eleições municipais brasileiras, que demonstraram uma crescente, porém, ainda, não generalizada, politização dos eleitores e um posicionamento crítico que a imunizou, por assim dizer, frustrando as expectativas de muitos daqueles que a quiseram confundir. Isso pode demonstrar  um maior grau de informação, educação e preparação, mesmo num país, onde a população foi sempre levada à alienação, como é o caso do Brasil. Essa é uma esperança. No mínimo, reflete certamente a insatisfação geral, diante de um progresso que tem excluído a maioria da população há muitos séculos. Será a educação para a liberdade algo possível?

Huxley discutia os limites da mente humana e a carga emocional que o homem sensível, mediano ou forte suportariam. Os métodos utilizados para dominação humana, segundo ele, combinariam violência e habilidade de manipulação psicológica. Essa pressão pode ser revertida?

Persuasão química. Persuasão subconsciente. O que podemos fazer?

Voltando às ideais iniciais deste texto. Olhando o presente, podemos imaginar o imenso potencial de que dispõe a civilização humana, em termos de avanços tecnológicos. E o futuro não está distante, como poderíamos supor. Segue sua corrida vertiginosa, vencendo o tempo.

Como Huxley e tantos outros, tentamos imaginar a civilização do futuro. Desse modo, é impossível não deixar de se questionar: E o futuro? Será o pesadelo da excessiva falta de ordem, em que, ainda, vivemos ou da ordem em excesso da “fábula” de Huxley? Será o mundo virtual de Matrix, ou ditatorial de 1984 ? Ou talvez, “o nada”? A extinção da raça humana numa guerra nuclear? O horror ao “novo mundo” pode nos conduzir ao desespero e ao suicídio, como nosso amigo Selvagem do Admirável Mundo Novo.

Mas, olhando as estrelas que despontam no horizonte, sempre poderemos nos tranqüilizar pensando que o “admirável mundo novo” é apenas uma fábula científica. Porém, são as próprias estrelas que nos dizem que tudo é passado. Quando chegamos a vê-las no céu, muitas já deixaram de existir. Assistimos sempre ao filme reprisado do universo. Será este na realidade, um pesadelo virtual?

[*] Advogada, Especializanda em Ciências Sociais - UEM.

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Bibliografia

HUXLEY. ALDOUS. Admirável Mundo Novo.São Paulo, Globo, 2000.
_______________. Retorno ao Admirável Mundo Novo. Lisboa, Edição "Livros do Brasil", s. d.